segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Das alegrias de ser professor

Não são muitas, confesso. Mas quando acontecem, enchem a alma.

Minha grande alegria, em 2012,  foi  ver meus alunos do terceiro ano se tornando cidadãos verdadeiros, responsáveis pelo próprio destino e por suas escolhas.

Eles se uniram e conseguiram organizar uma bela festa de formatura, elogiada por todos. Eles se uniram e descobriram o inestimável valor da amizade. Eles não esperaram. Correram atrás do que precisavam e desejavam. Foram solidários uns com os outros, com os professores e com a escola. Eles já sabem que o conhecimento é um universo muito maior a ser cultivado para além dos muros da escola. Eles já sabem que a vida não é fácil, mas sabem também que ela não é impossível.

Não importa que nem todos tenham aprendido a dominar as habilidades do Currículo Básico Comum. O mais precioso é que tenham adquirido uma consciência humanística do mundo. O que importa é que tenham aprendido a pensar por si próprios, que saibam exercitar o bom senso crítico, e que possam se defender das selvagerias do capitalismo.

Fico feliz de ter participado e contribuído para a formação desses adolescentes. Desejo-lhes saúde, sorte e amor!

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Cansaço

D. Margarida só pensa em férias. Para facilitar a vida, tem insights de puro cinismo:

"Se o estado quer que eu aprove todos os meus alunos, quem sou eu para contrariar o governo?"

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Reunião de módulo II

Reunião de módulo II é só reclamação. Um lamúria insuportável. E quando alguém  propõe algo, algumas especialistas rejeitam a proposta dizendo ser impossível realizá-la.

D. Margarida:
- Sugiro reuniões mensais com os pais, além dos encontros individuais durante a semana.

A especialista:
- Ah! Em qual horário?

D. Margarida:
_ Depois das aulas.

A especialista:
- Quem vai fazer a reunião?

D. Margarida:
-Todos nós.

A especialista:
- Eu não fico aqui depois da aula nem um minuto a mais. No mês passado, atendi mais de trinta pais que você mandou chamar!

D. Margarida:
- E a disciplina melhorou muito depois disso. Temos que dar uma canseira nos pais. Se pôs filho no mundo, tem que cuidar. Está na Constituição: "Educação é obrigação do Estado e da família".

A especialista:
-E você acha que eles vêm? A gente manda chamar e eles não vêm.

D. Margarida:
- Se o pai não aparecer, a gente registra no relatório. Fica tudo registrado.

A especialista
-Eu não fico aqui depois da aula. Não vou fazer reunião com os pais fora do meu horário.

A lógica do raciocínio de algumas especialistas é a seguinte: "ah, isso dá muito trabalho e pouco resultado. Para quê vou me esforçar? Não ganho pra isso". Ou então: "a culpa é do professor que não consegue manter a disciplina em sala de aula. Não tenho nada com isso."

E assim rasteja a humanidade. Se algumas especialistas não conseguem ter uma simples visão da Educação, exigir que elas tenham visão especializada é pedir demais.


quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Dia do professor

O dia do professor passou e nem tive ânimo de comemorá-lo. Francamente, não tenho o que celebrar. Salário baixo; ausência completa de uma carreira para o magistério; alunos difíceis; péssimas condições físicas e estruturais da escola; um governo que não está nem aí para uma educação verdadeiramente pública, gratuita e de qualidade. Dá pra deprimir fácil.

O que segura essa barra são aqueles momentos raros, quando percebo nos olhos e nos sorrisos dos meninos mais uma janelinha, mesmo que minúscula, se abrindo dentro das suas cabecinhas. De alguma forma,  apesar do caos medonho da sala de aula, algum acréscimo sobre a compreensão do mundo e da condição humana aconteceu. Isso segura a onda da ignorância que insiste em nos afogar.

Desistir? Minha tia, ex-professora e ex-diretora de escola pública, alertou-me desde o início:

"É uma cachaça."

E lá vou eu, bêbada de idealismos, tentar ensinar para os que querem e para os que não querem aprender, alguma coisa.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Como estimular seus alunos a serem bons leitores

Muito simples, caro colega.

Leve-os à biblioteca da escola e deixe-os manusear, folhear e escolher livremente os livros.

Gaste um horário inteiro com essa atividade.

Não se desespere com a agitação, mas mantenha o controle da turma. Explique aos alunos que bibliotecas são lugares onde devemos falar em voz baixa.

Se aquele aluno que você sabe que é semi analfabeto se recusar a escolher um livro, não se sinta frustrado. Ofereça-lhe um livro com figuras bonitas, bem ilustrado. Se ele continuar resistindo, por pura pirraça, diga-lhe que "tudo bem", que ele  "não é obrigado a escolher um livro para levar pra casa". Resigne-se, afinal você não é Deus, nem Jesus Cristo, e a culpa por seu aluno ser semi analfabeto não é sua. Você sabe, caro colega, que faz o possível e o impossível para ajudar aqueles que têm mais dificuldade para apreender, mas o sistema (leia-se o governo) não ajuda. Por isso, sem ignorar os alunos que não sabem ler, dê atenção àqueles que estão se divertinndo e aproveitando a atividade.

Oriente-os. Mostre-lhes as novidades. Ofereça-lhes bons livros de bons autores. Livros bonitos e instigantes. Lance perguntas no ar: quem gosta de poesia? Quem gosta de histórias engraçadas? Quem gosta de quadrinhos? Ofereça-lhes opções de gêneros literários diversos.

Faça disso uma atividade prazerosa!

Faça isso antes de um feriado prolongado. Faça isso sempre, de vez em quando, uma vez por mês, uma vez por bimestre, ou uma vez por ano. FAÇA ISSO, MESMO SE VOCÊ NÃO FOR A PROFESSORA DE PORTUGUÊS.

Esse é um investimento que vale a pena.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Palavrinhas e palavrões (3)

Vou falar uma coisa politicamente incorreta. Antigamente, quando a classe média queria elogiar uma pessoa mais humilde dizia: "é pobre, mas é honesto". Hoje, a elite e a classe média dizem: "é pobre, mas é limpinho". Mas para mim a fala deveria ser: é pobre, mas é bem educado.

Não é raro encontrar pessoas bem educadas entre os muito pobres. Nas escolas públicas existem crianças e adolescentes gentis e amáveis que usam o "por favor" e o " muito obrigado" com muita naturalidade, até mais que alguns de nós, professores, aturdidos com o caos disciplinar; brutalizados por sermos um escudo contra a violência escolar cotidiana; e por termos nos rendido à agressividade na relação com os nossos alunos. Você sabe tão bem quanto eu como é difícil manter a calma.

Todos nós, caro colega, também sabemos que há pessoas sem educação em todas as classes sociais. Falta de educação é um patrimônio cultural nacional. Infelizmente.

Estou a falar desse assunto porque ontem, quando estava deixando meu turno, assisti a  uma cena digna de nota. Uma mãe foi à escola buscar suas crianças e não as encontrou no lugar de costume. Foi até a quadra de esportes e começou a gritar para o colega do seu filho que estava a uns 50 metros de distância:

_ Ô PORRA! Você não disse pra ele me esperar, CARALHO? Mas eu não disse para me esperar, CARALHO? Ô PORRA, agora vou ter que esperar. QUE PORRA! CARALHO! PORRA!

Isso, dentro da escola. Isso, aos berros. Uma mãe. Agora, imagine o naipe do filho.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Babado forte

Às vezes, o babado é tão forte, caro colega, que nem sob o manto de um pseudônimo posso comentá-lo.


quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A origem dos seres humanos

Outro dia foi engraçado. Estava a ensinar ao 6ºB os caminhos que levaram os seres humanos ao continente americano quando lancei a seguinte pergunta para a classe:

"Onde surgiu o ser humano?"

Depois de muito zum,zum,zum, um garoto esperto respondeu:

"Na África."

"Muito bem! Os seres humanos surgiram na África."

Imediatamente B., uma aluna de pele branquinha e de cabelo "bom" (como eles mesmos gostam de classificar), muito bonitinha e muito boa aluna, retrucou com veemência:

"EU NÃAAAAAAO! EU NÃO NASCI NA ÁFRICA!

Os colegas tentaram argumentar, tentaram lhe explicar o que eu estava querendo dizer. A sala ficou tumultuada. Deixei-os falar e trocar ideias polêmicas sobre as quais ainda existem grandes mistérios. Essa é uma ótima forma de aprendizado. B., indignada, dirigiu-se a mim:

"ONDE VOCÊ NASCEU, PROFESSORA? VOCÊ É DA ÁFRICA?"

"Não. Eu nasci em uma cidade do interior do estado."

"ENTÃO VOCÊ NÃO É DA ÁFRICA. EU TAMBÉM NÃO SOU DA ÁFRICA."

Achei a coisa engraçada. Comecei a rir enquanto a "polêmica" pegava fogo. Não tive como retomar a atenção da turma para a devida explicação à B.. O sinal tocou. A aula acabou.

Na próxima aula pretendo retomar a fala de B., afinal, tudo que os alunos dizem é material fértil para o processo de ensino-aprendizagem, não é mesmo? Ou, quase tudo.





quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Aplicação do PAAE

Muitos dias se passaram desde a última postagem. Absurdos continuam acontecendo na escola. O último deles foi a aplicação de uma avaliação diagnóstica de português, da Secretaria de Educação, nos dois últimos horários, depois do recreio, quando os alunos estavam bem calminhos, descansados e com alta capacidade de concentração. Detalhe: o teste tinha 30 questões objetivas com enunciado de textos. Foi ótimo. Meus aluninhos semi-analfabetos do sexto ano tiveram apenas um horário e meio para responder. A equipe pedagógica da escola está de parabéns! Nunca vi gente tão eficiente.

domingo, 12 de agosto de 2012

Dia dos Pais na escola pública

Eu sei que tudo é uma baboseira da sociedade de consumo e que o comércio é o grande responsável por todas essas datas comemorativas. Dia da secretária, dia do advogado, dia do atleta, dia do músico, dia do médico, dia do engenheiro. Há dias para todas as categorias profissionais. No entanto, pai e mãe são sagrados e comemoramos de bom grado, mimando do jeito que damos conta, cada um à sua maneira, os nossos genitores queridos.

Neste dia dos pais, porém, penso nos meus alunos que mal conhecem o pai. Ou naqueles que nem sabem quem é o pai. Penso também naqueles que sabem quem é o pai biológico, onde mora, o que faz, mas nunca foram assumidos ou acarinhados como filhos. Abandonados e ignorados, muitos deles são.

Nós, caro colega, professores de escolas públicas, conhecemos bem o script da tragédia brasileira da falta de reconhecimento de paternidade. É uma questão cultural. Machista. Difícil de resolver. A criança cresce sem pai, sob a guarda de uma mãe sobrecarregada. Isso se reflete na escola. O professor vê quando a criança é largada, negligenciada. Ou quando o adolescente se revolta porque seu pai não assume sua função. Ou porque a mãe tem cinco filhos, cada um de um pai diferente, e nenhum dos pais ajuda a mãe.

E o menino, para descontar a sua dor, quebra o pau na escola.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Volta às aulas

Começou. A sala continua sem porta. Continuo sem domínio dos sextos anos D e E. Ansiedades me assaltam.

Para compensar, os sextos anos A, B e C são um alento. Ontem mesmo deixei o 6ºC de castigo só pra lembrá-los de que existem combinados que precisam ser respeitados. Com as férias, eles se esqueceram desse pequeno detalhe. São uns fofos. Sou a madrinha da turma. Turma fraca, lenta, mas leve, com bom humor e interessada. Alguns alunos são completamente analfabetos. Confesso que não sei o que fazer por eles. A. C, por exemplo, não soube ler a palavra PEDRA. Fiquei chocada. A menina tem 12 anos e não sabe ler encontros consonantais. Um absurdo. É o que a especialista do Ensino Médio questiona e com toda razão:

"Como é que uma criança passa anos na escola e sai sem aprender a ler e escrever? Não consigo entender isso."

Eu também não consigo aceitar a ideia comum de que existem alunos que não aprendem. Talvez seja mais fácil dizer que eles são incapazes de aprender do que assumir a ineficiência de uma estrutura de ensino excludente e injusta. Turmas lotadas, falta de tempo para um bom planejamento porque o professor trabalha três turnos pra não passar fome, ausência de um programa de assistência social que dê conta dos filhos das famílas desestruturadas. Enfim, são tantos os problemas da (des) educação brasileira.

Ansiedades me assaltam. Não consigo ver luz no fim do túnel. O psiquiatra pergunta:

"Você tem alguma saída para essa situação? Você tem um plano B?"

"Eu escrevo, doutor. Escrevo pra não enlouquecer."

domingo, 29 de julho de 2012

Férias?

Minhas duas semanas de férias estão terminando. As férias estão terminando. Apenas duas semanas de férias. Estão terminando. Duas semanas. Férias. Terminando. Férias...Terminando...Duas semanas apenas...Férias...Fim.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Quando D. Margarida pira

Hoje dei um piti horroroso por causa de uma porta que não existe e da minha síndrome de falta de educação hereditária. Gritei de forma inaceitável com pessoas que não mereciam isso de jeito nenhum. E eles também gritaram comigo, e me colocaram no meu devido lugar. Fiquei arrasada. Tudo por causa da porta que não existe. A porta que foi quebrada por mim e por alguns alunos em um momento de cabo-de-guerra- de-porta: os meninos empurrando a porta de fora pra dentro, e eu empurrando a porta de dentro pra fora.

A porta, de péssima qualidade, diga-se de passagem, sem maçaneta, só ficava fechada se a escorávamos com uma mesa ou com uma cadeira do lado de dentro. Na escola, há um esporte chamado "empurra porta" no qual alunos de outras turmas passam diante da sala de aula e dão um empurrão na porta, às vezes com os pés, às vezes com as mãos, dando um murro, e escancarando a porta bruscamente bem no meio da sua aula. Foi numa dessas ocasiões que empurrei, de dentro, a porta que estava sendo forçada de fora, e a porta foi para o brejo.

Para dar minha aula no sexto ano D - a sala sem porta - costumo colocar minha mesa debaixo do marco, como uma barreira para as crianças não saírem da sala. Sim, elas saem da sala sem minha autorização na maior cara de pau.  Até consigo segurá-las. Só que outros alunos de outras turmas começam a passar no corredor e resolvem dar uma paradinha na minha porta e mexer com os que estão do lado de dentro. E os que estão do lado de dentro resolvem mexer com os que estão do lado de fora. E eu, no meio.

Então, pra resumir, fiquei nervosa com o movimento e, depois de já ter pedido ajuda aos ajudantes de serviços gerais, dei um berro muito feio para "alguém" cuja responsabilidade é a de cuidar das crianças que ficam circulando no corredor (mas só fica conversando). Dei um berro feio pra esse alguém me ajudar. Esse alguém não gostou. Com razão. Nada justifica esse tipo de postura em uma escola. Professor berrar descontroladamente, ter um ataque, dar um xilique, é o fim da picada do mosquito do cocô do cavalo do bandido. Só piora as coisas. A vice-diretora, uma lady que nunca levanta a voz pra ninguém, também foi vítima do meu acesso de loucura. Comecei a gritar e a dizer que os ajudantes de serviços gerais não fazem nada, não cumprem suas obrigações, etc, etc.

Tudo por causa da minha falta de educação crônica, do estresse de fim de semestre e de uma porta que custa apenas R$ 50,00 e que ainda não foi consertada, sabe-se lá por quais razões. Há meses, damos aulas naquela sala sem porta. Eu devia ter arcado com as despesas desde o início, afinal o estrago foi cometido durante minha aula. Eu errei. Errei em não ter arcado com as despesas do conserto da porta e errei ao gritar com meus caros colegas. Errei feio.

Bem que eu queria uma licença médica, mas o dr. psiquiatra não tem  ideia do que é o cotidiano das escolas públicas de periferia. Ele não sabe o que a gente passa lá dentro. Ninguém sabe. E gritar com os colegas de nada adianta. Temos que nos unir. Temos que nos salvar. Mas o serviço é público e ruim. A lei do menor esforço vigora. Nem sempre ordens são obedecidas ou obrigações, cumpridas. Nessa hierarquia, professor não vale muita coisa. É por isso que portas que funcionam são importantes. De preferência, com maçanetas. Você fecha a porta e pronto, resolve seus problemas com os seus alunos lá dentro. E ninguém tem nada a ver com isso.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Sobre licenças de saúde

Nós dois sabemos, caro colega, que não existe profissional que tira mais licença de saúde que professor. As estatísticas são altas. O prejuízo para os cofres públicos, enorme.

Minha opinião é que os governos são muito burros. Se aumentassem o salário dos professores veriam o número de licenças cair drasticamente. Com dinheiro no bolso, ninguém quer ficar ou parecer doente, muito menos passar a imagem de pessoa rabugenta e amargurada com a vida. Com mais dinheiro no bolso a autoestima melhora e a saúde também.

Mas, como já disse, os governos são estúpidos. Um ranço de mentalidade escravista faz parte do imaginário das elites deste país. Eles preferem pagar mal aos professores e gastar somas astronômicas pra resolver problemas de Segurança e Saúde provocados exatamente pela ignorância do povo.

Tentei tirar uma licença de saúde. Psiquiátrica. "Como sou completamente louca será fácil", pensei. Não foi. O médico achou muito "normal" minha crise de hiperansiedade. Receitou rivotril à vontade. E quanto à licença, apenas disse:

"Vamos ver, vamos ver. Daqui a um mês você volta."

Respondi:

"Ok, doutor!" E pensei: "Se eu enfiar a mão na cara de um aluno, a culpa será sua". E fui embora.

Recolhi-me à minha completa insignificância de profissional pouco valorizada. Fiz as pazes com os aluninhos infernais e toquei o barco sem rumo. Benditas sejam as calmarias da educação. Depois da tempestade, sempre vem outra tormenta. Ás vezes, demora para o próximo furacão nos pegar desprevenidos. Então temos que aproveitar bem o tempo bom. Consegui chegar ao fim do primeiro semestre letivo sem apanhar e sem bater.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Um pouco de justiça

Há momentos em que somente a autoridade da diretora da escola resolve o que precisa ser resolvido.

Depois de A. aprontar, pintar, bordar, borrocar, agredir, ameaçar, testar, desrespeitar e infernizar professores e funcionários, para muito além do limite do suportável, a diretora, enfim, tomou uma atitude. Mandou chamar a mãe e lhe disse:

"A senhora escolhe: ou assina a transferência do seu filho, ou a polícia vai levá-lo novamente para a delegacia de menores."

Nesse dia, o garoto tinha ameaçado um funcionário de morte. O mesmo garoto que tentou me agredir e me ameaçou semanas atrás.

Resultado: a mãe , coitada , com mais quatro filhos pra cuidar, preferiu não ter o dever de se apresentar ao juiz novamente. Assinou logo o documento de transferência do filho-problema-na-escola.

Que esse garoto seja muito feliz em outra instiuição de ensino, longe de nós. Que Deus me perdoe, mas mimha compaixão tem limite.

sábado, 16 de junho de 2012

Módulo (só se for lunar) 2

Reunião de Módulo II. Horário previsto: 8:00 hs. Horário de início: 8:45 hs. Normal. Eu já devia estar acostumada.

Os trabalhos começaram com objetividade. Fato raro. Problemas e possíveis soluções detalhados em power point. Muito bom. Pelo menos a coisa não ficou só no blá,blá, blá, como sempre. Enfim, algum progresso surgiu no horizonte.

Poupo o caro colega do elenco completo das questões apontadas e discutidas, afinal todas as escolas públicas têm problemas parecidos: violência, falta de compromisso, desorganização, buRRocracias da Secretaria de (des) Educação.

Um problema grave na minha escola é a péssima comunicação interna, mas entre todas as possíveis soluções sugeridas e apresentadas para esse problema, não foi citado, em nenhum momento O USO DA INTERNET.

Dá para imaginar uma escola com quase dois mil alunos e mais de duzentos funcionários que não utiliza ferramentas digitais para melhorar sua comunicação interna? Não há boca a boca, nem quadros de avisos que dêm conta de tantos recados e informações.

Coube a mim, atacada por uma crise de ansiedade aguda provocada pela abstinência de nicotina, apontar a falha. Alguém anotou no quadro: uso da internet. Pelo menos isso. Ficarei feliz e prometo lhe contar, em primeira mão, se algum dia receber um simples e-mail da secretaria da minha escola.



terça-feira, 5 de junho de 2012

Dias felizes

Na semana passada, me senti no céu ao lado de Deus. Três turmas me escolheram para madrinha da classe. Não faço a menor ideia das atribuições e responsabilidades do cargo, mas só de saber que os sextos anos indicaram meu nome, senti-me felicíssima. É um sinal de que os alunos gostam de mim e me consideram uma boa professora.

Professor é bicho maltratado. Ninguém valoriza. Ficar esperarando o reconhecimento dos colegas, da direção ou do governo é o caminho mais rápido para a frustração. É por isso que eu "garro" mesmo é com os alunos. É a relação que mais prezo. Xingo, dou meus xiliques, mas faço de tudo pra ensinar o conteúdo. Ensino também a ser gente, a ter consciência da selvageria do mundo e da própria falta de civilidade. Meus alunos aprendem. Não consigo dimensionar bem o quê, nem o quanto eles aprendem. Só sei que aprendem.

Um dos maiores elogios que recebi na minha vida foi em uma auto-avaliação que solicitei aos alunos. "Eu não sabia que tinha tanta inteligência", escreveu D.

Nem tudo é paz. Obviamente sou uma professora normal, cheia de manias, com meus altos e baixos praticamente subterrâneos. No dia a dia, quase sempre sinto-me no meio de uma guerra ingrata. A guerra da ignorância contra a possibilidade do conhecimento. E, quase sempre, a ignorância é a vencedora das batalhas cotidianas.

Mas em raras ocasiões, recebo a graça de preciosos momentos quando meus alunos e eu devoramos o fruto proibido do conhecimento sem cerimônia, sem culpa e sem medo de sermos expulsos do paraíso.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Excursão à Bienal do Livro

Um de meus programas preferidos é passar um tempo em  livrarias-café folheando livros que desejo comprar. Alguns são caros. Outros, em promoção ou necessários, eu levo. Divido em várias vezes no cartão. E sempre compro. Todo mês.

Livrarias são ótimos locais para um bom momento de introspecção. Se o livreiro for seu amigo, melhor ainda. Você sempre ficará por dentro do que há de melhor e de mais fresco em boa literatura. Eu, graças a Deus, tenho excelentes amigos que, para minha sorte, são ótimos livreiros.

No Brasil, evento é vento. Ás vezes, um furacão. As coisas são (des) organizadas de tal forma que o público é  impedido de curtir o propósito do acontecimento. Minha visita à Bienal do Livro foi assim, um tanto caótica, para dizer o mínimo.

Fomos de ônibus: eu, doze professores, três diretores, quatro auxiliares e DUZENTOS E OITENTA E QUATRO ALUNOS. Quando chegamos, nos deparamos com mais DEZ MIL ESTUDANTES que também estavam participando do "é vento". Uma balbúrdia enlouquecedora.

Foi entrar e o grupo se dispersar. Meninos para um lado, professores para outro, diretores acolá. O lugar estava tão lotado, tão lotado, que não tinha como andar em grupo. Impossível levar os alunos aos estandes para lhes mostrar os livros! Como não vi nenhum dos meus caros colegas se desesperando por ter perdido seus pupilos de vista, relaxei e acatei a regra. Afinal, eles têm mais experiência do que eu no quesito excursão-à-bienal-do-livro.

Resumo da ópera: a Bienal do Livro não é realizada com o objetivo de despertar nas crianças e nos adolescentes o encanto pelos livros e  pela literatura. O objetivo da coisa é descaradamente comercial. Existem pessoas que lucram muuuuuuuito debaixo desse disfarce pseudo-educativo.

Entrar foi fácil. Sair, caro colega, foi um teste infernal de paciência. Nem Jó suportaria. Cheguei em casa às oito da noite.

E para completar, estivemos na Bienal na quinta-feira; na sexta, à noite, por causa de uma forte chuva, parte do teto desabou. A feira engana-trouxa foi encerrada dois dias antes da data prevista. Mas Deus é grande: ninguém se feriu.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Os dias

A vida segue os dias. Estou sem ideias. Muita coisa acontece. Nada muda.

Uma aluna rasga o rosto da outra com estilete na porta da escola. A gritaria ensurdecedora da meninada continua potencializada ao máximo pela péssima acústica. A polícia bate o ponto na escola. Professores tiram licenças médicas. Professores faltam. O sindicato move ações contra o governo do estado. A imprensa noticia a precariedade da educação brasileira, diariamente. A Secretaria de (des) Educação manda juntar turmas de séries diferentes em uma mesma classe. O pó de giz destrói meus cabelos. Minhas unhas quebram. Minha rinite piora. Meus olhos coçam. Os alunos insuportáveis continuam insuportáveis. E o 6º ano D  torna-se a criptonita de Super d. Margarida.

Estou cansada. Amanhã levarei os pequenos em uma excursão à Bienal do Livro. Espero que o passeio transcorra sem incidentes. E espero voltar com episódios engraçados pra lhe contar, caro colega.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Pedras e cadeiras (2º parte)

Reclamo muito neste blog. A proposta é exatamente esta: desabafar para não ter que tomar remedinho tarja preta para suportar o caos da (des) educação brasileira.

O lado bom fica prejudicado. Sim, porque muitos aluninhos são bagunceiros, mas adoráveis. E carinhosos. Alunas me abraçam no meio do pátio. Sorriem quando me vêem. Me cumprimentam e fazem festa quando chego na sala. Os garotos mais afetivos me elogiam. Escrevem mensagens nas provas e nos cadernos: "você é muito legal, professora"; "gosto de história"; "te amo". Uns fofos.

E quando a maioria deles tira boa nota na prova, fico felicíssima. Sinal de que estamos todos caminhando bem. Isso também acontece em meio ao caos, e é o que me salva da sensação de barbárie total.

Posso parecer uma professora histérica, mas não sou assim. Pelo menos, não inteiramente. D. Margarida é uma professora honesta. E  meus alunos são o meu xodó.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Pedras e cadeiras

Deu polícia hoje, de novo, na escola. Dessa vez, não por minha causa. Parece que alguns alunos arremessaram pedras e cadeiras... e eu sei quem foi.

Estava a tentar recuperar as notas dos alunos do 6º E, e, por algum milagre de Deus, a turma estava em ordem e em paz, muito atenta às minhas instruções. Os recuperandos correndo atrás do prejuízo. As garotas, a quem protegi para me salvar, muito felizes por terem alcançado notas acima da média.

Nenhuma felicidade dura muito em uma escola de periferia. O caos é sempre o senhor absoluto do pedaço. Então, quando achei que estava dominando o meu quadrado, dois "elementozinhos", do lado de fora, começaram a arremessar pedras e latas amassadas de refrigerantes pela janela do corredor. Os alunos de dentro reclamaram, com toda razão. Abri a porta e peguei os dois no "flagra":

"Por acaso, vocês estão doidos?"

Eles fugiram. Era quase recreio. "Depois faço a ocorrência", pensei.

Após o recreio, dei uma aula no 6ºA e fui para o meu calvário, o 6º D. Mas a polícia já tinha chegado e colocado todos os arremessadores de cadeiras e pedras en el paredón. Obviamente, não consegui dar a última aula  porque os basculantes da sala viraram camarotes para a blitz que acontecia no pátio interno bem embaixo da janela. O 6º D foi liberado e desci para a sala para onde os indisciplinados tinham sido transferidos.

Se o governo tivesse um programa em que professores, polícia, assistentes sociais e psicólogos pudessem detectar o garoto com comportamento de risco social,  e atuar para tentar salvá-lo, seria muito bom. A família do menino tem que ser chamada à responsabilidade, tem que ser investigada. Precisamos saber o que acontece com esse menino dentro de casa, quem são seus pais, e se podemos contar ou não com eles. Nossa obrigação como adultos é a de proteger esse menino da sua própria maldade e da maldade do mundo.

Mas o Brasil é o país da impunidade. Impunidade que começa na escola, onde aluno pode mais que professor.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Módulo (só se for lunar)

Consultando o Novo Dicionário Aurélio não consigo estabelecer uma correspondência entre o significado da palavra módulo e o sentido que a Secretaria de (des) Educação lhe dá.

Seria muito mais simples dizer apenas "reunião pedagógica". "Vamos fazer uma reunião pedagógica para traçarmos novas estratégias didáticas". Esta frase está correta, não está? Então, por que usar a palavra "módulo"?

Se pensarmos bem, módulo é uma palavra que reflete exatamente a visão que a SEE tem da educação. A percepção de uma educação compartimentada, feita de pedaços, medidas, unidades, segmentos, setores, enfim, módulos que deveriam se encaixar na construção de um todo, mas que acabam desmoronando porque a base é fraca.

Não obstante tanta nomenclatura, a realidade dos nossos alunos demanda outra concepção de educação. Precisamos, antes de tudo, de uma educação mais humanista, mais lúdica, mais unificada, totalmente interdisciplinar, multimídia, livre, sem amarras, sem cercas internas.  Precisamos de mais liberdade e autonomia pedagógica nas escolas públicas.

Deveríamos dispensar totalmente a BURROcracia do estado.



domingo, 22 de abril de 2012

Ressaca

Diz o ditado que "pra tudo na vida há sempre uma primeira vez". A pior estréia para um professor é, sem dúvida, ter de ir à delegacia dar queixa de um aluno que o ameaçou de morte.

Infelizmente passei por isso e ainda estou meio passada, de ressaca, repensando algumas certezas.

Se fosse simples questão de escolha, a delegacia seria a última das opções. No entanto, levei o caso até o fim. O garoto dormiu no alojamento da polícia "sob a tutela do estado".

No dia seguinte, fui à escola normalmente. Normalmente, entrei na sala. E, normalmente, os coleguinhas do "elemento" queriam que o circo pegasse fogo, de novo. "Olha ele lá, professora!" "Ele veio, professora!"

Encerrei o assunto, "na lata":

 "É, eu sei. Fiquei com ele até às nove horas da noite de ontem. Já me encontrei e conversei com a mãe dele também. Não vamos mais falar sobre isso, está bem?"

Resumo da ópera: o "peste" continua infernizando minhas aulas. Tento fingir que ele não me incomoda. Deixo o pau quebrar pra lá. Preocupo-me apenas com aqueles que querem realmente aprender.

Não sou Deus, não sou Jesus pra tocar o ombro desse menino e exorcizar os demônios que o atormentam. Não sinto culpa nenhuma. Sou ótima professora. O governo é que não presta e não faz o que deveria para garantir a qualidade na educação pública.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

A carta (2)

Recebi uma carta da Secretaria de (Des) Educação do Reino da Província comunicando, entre outras desgraças, que receberei um aumento de 5% no próximo mês. Em dinheiro, esse percentual equivale a 70 reais. E não faz nem cócegas no bolso. Meu escorpião continua lá, a me lembrar que continuo pobre e desvalorizada, e que se eu tiver um ataque esquizofrênico de consumismo por conta desta mixaria de aumento vou me ferrar com o cartão de crédito nos próximos meses.

Que dureza! Meu salário ainda continua no patamar dos dois salários mínimos. Para as leis do mercado, sou classe D ou E. Que país é esse, onde professor não é considerado nem um simples emergente da classe C?

É por isso que ensino aos meus alunos, direitinho, o que é corrupção, o que é patrimonialismo, o que é fisiologismo, o que é a putaria da politcagem brasileira!

terça-feira, 10 de abril de 2012

Caindo na real

Pelo menos, 40% dos meus 200 alunos do 6º ano são semi analfabetos.

Eles pintam e bordam porque ler e escrever ainda é um mistério que ninguém foi capaz de lhes ensinar. Eles nunca sentiram o gosto pela leitura, pela escrita, pelo exercício do pensamento.

É por isso que a escola é, para eles, apenas um local de revolta, de bagunça, de anarquia: porque a escola não  deu conta de contornar suas limitações e  lhes oferecer novos caminhos.

Eles têm de 10 a 12 anos e ainda não aprenderam a ler e a escrever.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Retorno

O pai é pior que o filho. Muito pior. Melhor investir no filho. Fiquei com pena do menino, quando conheci o pai.

E o tamanho do corte, da garrafada d´água na cabeça do colega, era minúsculo. "Muito barulho por nada".

É melhor investir em F. A vida dele, dentro de casa, deve ser um inferno. Coitado.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Quando o pau quebra (4)

Hoje o pau quebrou. De novo.

F., aquele aluno insuportável que adora bater nos colegas porque apanha muito do pai, arremessou uma garrafa de plástico cheia de água para K., outro insuportável. A garrafa atingiu a cabeça de um aluno miúdo, no outro lado da sala.

O golpe foi feio. Fez um corte fundo. O sangue jorrou. Pensamos que o olho do garoto tinha sido atingido mas, graças a Deus, não. O pai foi chamado pra levar o filho ao hospital.

Escrevi um longo relatório sobre o sinistro. Amanhã  F. deverá comparecer à escola acompanhado do pai.

Tudo o que desejo é que Deus me conceda, na hora da reunião, o dom da palavra certa para convencer o pai de F. a assinar a transferência do filho.

Seria uma bênção para toda a escola.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Evasão escolar x turmas lotadas

A coisa funciona (ou não funciona) assim:

D. Secretária de Educação comunicou às diretoras das escolas públicas estaduais que, este ano, as turmas deverão ter entre 40 e 45 alunos. A justificativa de d. Secretária é um primor do raciocínio lógico do poder executivo brasileiro. Como as escolas sofrem muita evasão (em torno de 30% e 40%), lota-se as salas. Assim, se os alunos abandonarem a escola, as classes ainda permanecerão com 25, 30 estudantes.

D. Margarida entra na sala lotada de alunos. O perfil da classe é o seguinte: 30% dos alunos conseguem caminhar mais ou menos sozinhos; outros 30% têm muita dificuldade e necessitam de atenção individualizada; e 30% da turma é semi analfabeta, não se sente motivada e faz muita bagunça o tempo todo. O único alento é que 10% da garotada é muito inteligente e dá conta de tudo.

D. Margarida precisa dar atenção individualizada a, pelos menos, 60% da turma. A classe está lotada. A indisciplina consome muito tempo. As crianças esforçadas sentem-se injustiçadas porque não recebem a atenção que merecem. Dessa forma, não se sentem estimuladas; não aprendem; não se desenvolvem; não evoluem; e vão perdendo o interesse pela escola. Os bagunceiros resolvem uma questão aqui, outra acolá. D. Margarida tenta estimulá-los, mas o tempo é curto. Os alunos permanecem semi-analfabetos e vão sendo empurrados até chegarem ao ensino médio.

A turma lotada prejudica a qualidade do ensino. O aluno perde o interesse pela escola porque pensa que não consegue aprender. O professor não dispõe do tempo necessário para lhe ensinar e lhe dar a atenção que faria toda a diferença.

A evasão irá acontecer,de qualquer forma, mais cedo ou mais tarde, porque a escola não consegue cumprir o papel de ser um refúgio contra as  injustiças sociais. As políticas públicas governamentais fazem questão de reproduzir essas injustiças dentro do ambiente escolar. Precisamos de mais escolas, turmas menores, mais qualidade. Dessa forma, a evasão seria contida ou, pelo menos, diminuída.

A justificativa do governo é a de que não tem dinheiro. O Estado brasileiro nunca tem dinheiro suficiente para a Educação e para a Saúde. Não tem mesmo não. E sabe por que? Simplesmente porque a classe empresarial brasileira só se dispõe a investir R$ 10,00 em qualquer coisa neste país, se o governo investir R$ 30,00 e ainda lhe der garantia de lucros de R$ 40,00. Enquanto o governo tiver que "incentivar" os investimentos no país, ou seja, financiar e dar garantias aos empresários, com todas as benesses que oferece, nunca terá dinheiro mesmo não. Nem para a Educação e nem para a Saúde.

Tudo é uma questão de prioridade. A prioridade do governo do Reino da Província é asfaltar estradas. Asfalto rende voto. Educação, não. Pelo contrário.

terça-feira, 27 de março de 2012

Quando o pau quebra (3)

Hoje o pau quebrou. De novo.

R. passa mais tempo fora da sala perambulando pela escola do que qualquer outra coisa. Lembro-me dele no primeiro dia de aula e só. Nunca mais apareceu. Hoje, não sei porque, resolveu nos dar o ar de sua graça. Entrou na sala no último horário.

Os alunos estavam a colorir uns desenhos de dinossauros muito legais como prêmio por já terem realizado uma atividade escrita sobre o assunto. Para fazer com que os preguiçosos recalcitrantes  realizassem o estudo dirigido, prometi o desenho com a condição de que escrevessem algumas linhas, pelo menos.

Pois muito bem: R. entrou e já queria ganhar o desenho. Disse-lhe quais eram as regras e entreguei-lhe o texto para que respondesse as questões. Depois lhe daria o desenho. Sei que R. é problemático. Poderia ter lhe dado o desenho, mas não seria justo com os outros que se esforçavam para fazer o exercício.

Então, naquela confusão de dar visto nos cadernos, atender aos alunos, chamar a atenção de uns e outros, não dei muita atenção quando uma aluna reclamou que R. estava importunando-a. Parte da turma estava agitada e eu precisava dar os vistos nos cadernos. Foi o meu erro.

R. avançou sobre essa menina e começou a esmurrar seu rosto com socos furiosos. Geralmente, quando tem um arranca-rabo na classe, antes de virar briga séria, entro no meio e separo. Uns alunos até me ajudam. E quase sempre consigo apagar o fogo antes do incêndio. Mas desta vez, caro colega, desta vez tive medo. O menino socava a menina com tanta força, com tanta raiva... Corri pra porta e pedi ajuda ao "disciplinário" e a quem mais estivesse ali por perto.

A boca da menina ficou ensanguentada. Aconselhei-a a procurar a polícia, junto com seus pais. R. foi retirado da sala e não o vi mais. Fiz a ocorrência escolar e voltei para casa. Completamente arrasada.



domingo, 25 de março de 2012

Quando D. Margarida pira (2)

Eu já lhe disse, caro colega, que este ano estou lecionando para os sextos anos? Estou enlouquecendo com a gritaria sem fim dos pirralhos. Tem hora que não aguento e solto uns gritos:

- SEEEEEEEEENTA , MENINO!

Isso, claro, depois de pedir umas trinta vezes de forma polida: "Sente-se por favor", "Silêncio, por favor", "Fulaninho, sente-se na sua carteira, por favor", "Vamos começar a aula? Vamos nos sentar?".

_ SEEEEEEEEENTA, PESTE!

Não falo, mas penso. Sinto vontade de agarrá-los pelos braços, de segurá-los pelas golas e socá-los nas cadeiras. Imagino-me segurando uma palmatória enorme, balançando-a pra cá e pra lá, nervosamente, autoritariamente, ameaçando a todo momento estraçalhar suas mãozinhas imundas. E eles, de cabecinhas baixas, morrendo de medo, sentadinhos, caladinhos, copiando, copiando, copiando. E d. Margarida, sem papas na língua, tendo regredido um século no túnel do tempo da imaginação, reinando absoluta e vitoriosa como a rainha da disciplina incondicional dos seus sextos anos:

_ MENINO CHATO! MENINO INSUPORTÁVEL! SUA MÃE NÃO LHE DEU EDUCAÇÃO, NÃO? ELA DEVE TER LHE DADO EDUCAÇÃO, MAS COMO VOCÊ É MUITO BURRO, MUITO IDIOTA, NÃO APRENDEU NADA! PESTE!

Delírios, alucinações. Definitivamente estou enlouquecendo e ainda estamos em março. Será possível completar o ano letivo sem remedinhos tarja preta e licenças médicas? Creio que não.


quarta-feira, 21 de março de 2012

A carta

De vez em quando (ou quase sempre, como preferir), nossos governantes nos oferecem de bandeja uma boa oportunidade para desmascarar, com classe, suas mentiras deslavadas. Esses momentos acontecem quando eles subestimam a inteligência do povo. Só não aproveita a chance de espinafrar o governo quem não quer. Ou quem é muito alienado.

Pois muito bem.  D. Secretária de Educação ordenou a distribuição de uma carta aos pais de todos os alunos da rede estadual. Esse folheto dizia, com todas as letras, que o reajuste dado "aos professores de Minas é, proporcionalmente, 85% superior ao piso nacional". A carta dizia também outras mentiras: que a educação mineira está ótima, melhorando; que 88,9% dos alunos de oito anos "dominam a leitura e a escrita". Enfim, uma carta de propaganda feita com dinheiro público. As escolas receberam verbas especiais para comprar papel, tinta e selos adesivos.

Fui incumbida de distribuir a tal carta nos segundos anos do ensino médio. Distribuição criteriosa, com lista de chamada devidamente assinada pelos alunos como comprovante. Antes de distribuir o papel infame, expliquei com toda clareza aos alunos qual deveria ser o valor do meu salário se o dr. governador tivesse concedido o piso nacional proporcional de acordo com o plano de carreira do magistério. Depois, com toda calma, revelei o valor do meu salário atual de acordo com a nova tabela do subsídio. Só isso. Não precisei dizer mais nada. Meus alunos são muito inteligentes:

_ Professora, o cara está te roubando! Não vou entregar carta nenhuma.

_ Por que vocês não fazem greve de novo?

_ Que absurdo, professora! A senhora ganha só isso? Mil reais não dá pra nada.

_ Vou jogar essa carta fora!

Por mim, eles podiam jogar a carta na lixeira ali mesmo. Mas, para não dar problemas para a diretora, recomendei que a partir do portão da escola para fora eles poderiam fazer o que quisessem com aquela carta.

E fui para casa. Feliz.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Rotina

F. é um aluno simplesmente insuportável. Como apanha muito do pai, vive distribuindo tapas nos colegas. Não sei o que fazer com ele. Preciso da ajuda especializada de um psicólogo, mas não existem psicólogos no quadro funcional das escolas estaduais de MG.

W. é outro aluno igualmente intolerável. A mãe diz que o menino é hiperativo e toma remédio controlado. Se isso for verdade, os miligramas do medicamento precisam ser aumentados, porque o menino não pára quieto, não escreve uma linha sequer  e prejudica o processo de aprendizagem de toda a classe. Um inferno. Preciso da ajuda especializada de um assistente social que monitore a mãe e o tratamento desse menino; uma pessoa para checar se a medicação está sendo ministrada corretamente; para certificar que a mãe está falando a verdade; para averiguar se a mãe está levando o menino ao médico com a regularidade que o tratamento exige, enfim... preciso, mas não existem assistentes sociais nas escolas estaduais de MG.

Os dois meninos prejudicam os colegas. Eles impedem que os outros aprendam. A Secretaria de Estado da Educação de MG não faz nada, não oferece nada, nenhum programa para ajudar. Se o professor não dá conta, é taxado de incompetente. Enquanto o governo cultiva, com todo carinho, a sua eterna Burrocracia, 60 alunos estão sendo impedidos de aproveitar seu tempo escolar por causa de apenas dois meninos problemáticos e  desajustados.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Pensamentos soltos

Não é a falta de civilidade dos filhos das classes pobres que me assusta. O que me aterroriza é a falta de ética dos filhos das elites deste país.

Não é a visão antiquada de educação que alguns professores insistem em manter que me assusta. O que me aterroriza é a miopia do governo para enxergar que não existe Educação de qualidade sem a valorização do professor.

Não é a mediocridade vigente que me assusta. O que me aterroriza é a falta da perspectiva de um futuro melhor para nós, caro colega.

sexta-feira, 2 de março de 2012

A pedra no meu sapato

No meio do caminho tinha um pestinha
tinha um pestinha no meio do caminho
tinha um pestinha
no meio do caminho tinha um pestinha.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas empoeiradas de giz.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha um pestinha
tinha um pestinha no meio do caminho
no meio do caminho tinha um pestinha.

(sempre tem um pestinha no meio do caminho)

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Não quero ser uma velhinha surda

Hoje depois do recreio os decibéis da gritaria dos meninos atingiram níveis tão altos, mas tão altos, que senti tonteira. Pensei que fosse desmaiar.

Ninguém merece essas escolas reformadas por firmas de engenharia de propriedade de deputados. Ninguém merece o pouco caso do governo do Reino da Província com o dinheiro público nessas reformas picaretas que não levam em conta o básico do básico em um ambiente escolar que é a acústica.

Na minha escola a coisa foi tão mal feita, mas tão mal feita, que quatro salas de aula dão de frente para a quadra coberta. O som não tem por onde escapar. Bate e volta, bate e volta, num eco infinito. Os decibéis são ensurdecedores.

Terminei o dia com uma dor de cabeça atroz.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Começou.

Este ano peguei todas as turmas de sexto ano, à tarde. E mais seis aulas pela manhã. Ao todo, 10 turmas, 300 alunos. Sobreviverei? Chegarei ao fim do ano sem precisar tomar remedinhos tarja preta? Não creio.

Diante desses números o salário fica ainda menor e cada vez mais ridículo: R$ 1.134,00 (líquido).

Êta "polititica"! E a classe média, que deveria exigir do governo o direito à uma educação pública, de qualidade e GRATUITA para seus filhos, onde está? Onde está a classe média? Onde?

Ah! A classe média está no shopping, deslumbrada com o crédito fácil de um Brasil pseudo nouveau riche!

Vá, classe média! Vá comprar, comprar, comprar...Vá...,Boba!

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Back to the past

Infelizmente as férias estão acabando e não estou nem um pouco animada pra voltar à labuta. Há coisas na vida que os mais velhos não nos contam para não nos assustar. Eles não nos contam, por exemplo, sobre a força revolucionária que tem a chegada de um bebê em nossas vidas. É algo incomensurável. Um fato que os nossos caros colegas com mais anos de estrada não nos contam, por exemplo, é que o furor pedagógico acaba e que, em vez de entrarmos em um estágio de pedagogia serena e sábia, passamos diretamente, sem escala, para a depressão.

Como eu gostaria que esse blog fosse leve e oferecesse apenas crônicas miúdas sobre o dia a dia em sala de aula. Como cidadã da República das Pizzas de Banana e do Reino da Província não posso me dar esse luxo. Há uma luta política muito cansativa a ser empreendida pelos profissionais em educação, diariamente, neste pais.

É inacreditável. O governo não tem vergonha de veicular o vídeo que apresenta a nova tabela de reposicionamento salarial. A apresentadora diz que, em 2015, alguns profissionais estarão ganhando R$ 1.600,00.Como se isso fosse um grande avanço! É um congelamento dos salários. Ai, que depressão.

Se eu fosse o sindicato (em pessoa, rs, rs) parava logo com essa bobeira de usar a palavra piso e começava a explicar a situação salarial dos professores, na imprensa, usando o termo salário mínimo. A população não entende nada de piso, carreira, biênio, vantagens. Para que o povo fique do nosso lado precisamos falar a linguagem que ele entende. Um professor com curso superior ganha 2 salários mínimos no Reino da Província para dar aulas para, no mínimo, 200 alunos. O subsídio do governo estadual equivale a 2 salários mínimos. O valor do piso federal mais vantagens equivale  a 5 salários mínimos. Pronto. Assim todo mundo entende.

Ai, que preguiça! Vontade de ganhar na megasena e virar índia, e me mudar  para a Bahia.