sexta-feira, 31 de maio de 2013

Como resolver o problema da violência nas escolas públicas?

A maioria dos alunos não causa problemas de indisciplina além daqueles normais como brincar, conversar e agitar a sala. Figurinhas, celular, papeizinhos voadores, tudo isso é fácil resolver. Afinal, são crianças.

O problema maior são aqueles poucos (na verdade muito poucos) alunos que estão no limite entre fazer a coisa certa ou embarcar na nau da revolta, do vandalismo, das agressões e da irresponsabilidade.

Para esses a escola deve ter uma postura firme. Fazer relatórios e chamar os pais. Registrar e documentar tudo, todos os atos infracionais. Para esse menino, ou menina, antes que entrem efetivamente para a vida pesada do crime, o ideal seria que se montasse uma força tarefa: assistentes sociais, psicólogos, policiais, escola e família. Os pais têm que ser chamados à responsabilidade de terem colocado um ser humano no mundo. A família deveria ser obrigada a frequentar um programa de readequação de posturas. A família, ou o que sobrou da família desse aluno, tem que receber apoio, mas também tem que assumir compromissos perante a sociedade. Qual é o problema? Por que esse menino está tão revoltado? O que os adultos podem fazer por essa criança? A família tem condições de prover o bem estar  dessa criança? Não? Por que?  Sob ordem judicial, a família deveria ser obrigada a participar de encontros com profissionais de uma equipe multidisciplinar, para tentar prevenir ou reverter a escolha desse menino pelo caminho da violência e da criminalidade.

A escola seria uma parte dessa ação conjunta. Deixar apenas nas mãos da escola, apenas nas mãos dos professores, todo o peso da responsabilidade pela formação e pela educação de uma criança, pré-adolescente ou adolescente, que já se encontra praticamente cooptada pelo submundo da criminalidade é uma ilusão. O governo tem responsabilidades! Jogar a culpa da violência que domina a escola pública nas costas dos professores é ridículo e cruel. "Ah, os professores devem tornar suas aulas mais interessantes!" Não é esse o discurso? Por mais criativo e vocacionado que um professor seja, estudar e aprender são atividades que demandam esforço. Nem sempre esse esforço é prazeroso. O adolescente deve aprender a conviver com as frustrações normais da vida, porque tudo na vida tem um lado não agradável. A escola pode muito, mas não pode tudo. Não dá pra ficar idealizando a Educação. Não sou a favor da judicialização da Educação, mas gostaria de poder contar com um programa de assistência social que fosse além da transferência de renda.

O que vejo no meu dia a dia são alguns poucos alunos (apenas 10%) infernizando a vida de todos os outros que querem aprender. Eles vão à escola somente  para praticar atos de vandalismo, para agredir os colegas gratuitamente, para desrespeitar os professores. São princípios que eles adotaram para eles mesmos: detonar a escola, destruir, impedir que as aulas aconteçam, impedir qualquer ação positiva por parte dos profissionais da escola. Não são atos totalmente inconscientes. São bandeiras muitas vezes proclamadas. Eles tornam a vida escolar um verdadeiro inferno. E a escola não pode fazer nada, absolutamente nada para impedir esses "estudantes" de entrarem nas salas de aula do jeito que eles bem entendem, sem respeitar horários e regras. Eles entram e saem das salas o tempo todo.  E nós, professores, ficamos reféns deles.

O que a escola pode fazer? A escola, de acordo com a legislação, pode apenas registrar, chamar e conversar com os pais. Se o diretor conseguir convencer o pai ou a mãe a assinar a transferência do filho e também conseguir vaga para esse aluno em outra escola, os professores podem se sentir aliviados. Na maioria das vezes, os professores são obrigados a suportar o desrespeito desses alunos e gastam uma energia enorme tentando manter o processo de aprendizagem dos outros. Como o professor não vê nenhuma saída para a situação, ele passa a ignorar o fulaninho na esperança de que o menino modifique seu comportamento. E a situação piora. Adolescentes e pré adolescentes não querem ser ignorados. Pelo contrário. Na verdade, eles estão cansados de serem ignorados. Eles estão revoltados de terem suas necessidades sempre negligenciadas.

O governo do Reino da Província se diz "eficiente" e "competente", mas não tem nenhum bom programa para solucionar realmente esse problema. O poder público pensa que atender o menino com oficinas de arte basta para resolver o problema. A origem do problema é a família do menino. Mas nossa cultura política paternalista não permite que os governos chame os "cidadãos"  brasileiros à responsabilidade. Não se pode incomodar o cidadão. Não é vantajoso do ponto de vista eleitoral.

Os professores estão fartos dessa situação. Economiza-se com Educação e depois, obviamente, a médio prazo, gasta-se o dobro com Segurança porque aquele menino, que não foi assistido como deveria pelo poder público, se tornou um marginal perigoso. Não é a pobreza que gera a violência. É a ignorância e a falta de solidariedade.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Cinema na escola pública: uma missão quase impossível

"Detesto passar filmes para os alunos. Eles não prestam atenção! Fazem uma bagunça danada. Por isso é que eu não passo nada pra eles."

Talvez a professora de português, que é mais experiente e mais vocacionada do que eu, tenha razão. As sessões de cinema que promovo no turno da tarde são sempre um caos, com algumas ilhas de silêncio e atenção. Pode ser o filme mais interessante do mundo que nem todos prestam toda a atenção que planejei. Mas eu insisto. Mesmo que eles quebrem o pau, conversem o tempo todo, joguem bolinhas de papel uns nos outros, mesmo assim, eu persisto na educação através do produto audiovisual.

Ontem inventei de passar  "A Missão" para os alunos do sétimo ano.

"Eu já vi esse filme, 'fessora'! Eu já vi."

"Onde?", perguntei.

"Na televisão."

"Não, meu anjo. Esse não é o tipo de filme que passa na TV aberta do Brasil. Você deve ter visto 'Missão Impossível', com o Tom Cruise."

"Ah é, foi mesmo", concordou o menino. "E esse aí, 'fessora' é sobre o que?"

"É sobre a catequização dos índios pelos padres jesuítas", resumi pra não confundir o menino.

"É sobre os índios? Igual aqueles índios que a senhora passou no ano passado? Como é que chamava? 'O fogo'?"

"A Guerra do Fogo. Mas aqueles não eram índios. Eram homens do Período Paleolítico. Lembra?"

Ah, é! Da hora. Tinha aqueles homens que pareciam macacos, aqueles outros que 'comia' gente. Esses daí também 'come' gente?"

"Não, penso que não. Os índios dessa história são os guaranis."

O diálogo ocorre durante a sessão. As questões surgem, e os interesses e desinteresses também. Tento ser flexível. Adianto umas cenas, chamo a atenção para outras, explico a história, resumo diálogos. É um caos desgastante, mas a vida deles também é assim. Famílias desestruturadas, negligências, abusos, violências, morte prematura dos pais, abandonos.  

Depois eles reconhecem que o filme foi bacana. Depois eles comentam. Eles se lembram da história. Mesmo no caos, alguma coisa fica. Alguma impressão fica marcada nas cabecinhas agitadas.

D. Margarida não tem a pretensão de ser uma professora perfeita que mantém a disciplina em todas as situações de ensino-aprendizagem. Ela não é capaz disso. Não tem talento suficiente, apesar de não ser uma "despreparada". Se houver aprendizado dentro de um aparente ou verdadeiro caos está valendo.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Ensino Médio ou Ensino Fundamental?

Minha validade de professora do Ensino Fundamental está acabando. Não tenho mais pique para  os pré-adolescentes. É muito esforço físico para dar conta da explosão de hormônios que agita uma classe. No meu caso são cinco turmas. Fico esgotada.

Para ser um bom professor de Ensino Fundamental é preciso ter muita paciência e uma boa didática. É preciso dispor de uma ampla e variada cartela de práticas didático-pedagógicas. Até acho que possuo um certo conhecimento nessa área. O problema é que, hoje em dia, dar aulas para esse público virou teste de resistência física.

Como também sou professora do Ensino Médio, ultimamente tenho colocado tudo na balança e sinto, cada vez mais, que a minha praia é dar aulas para os adolescentes. O diálogo flui melhor. Posso dar aulas expositivas, o que é quase impossível no Ensino Fundamental. A preparação das aulas é menos desgastante, pois os alunos mais velhos são capazes de se concentrar mais na leitura de um texto. Posso pedir trabalhos de pesquisa que eles se viram sozinhos.

No Ensino Fundamental professor tem que ser um pouco pai e mãe. Tem que ficar em cima: "Faça a atividade, fulaninho!" "Nossa, que letra é essa? Vamos caprichar mais um pouquinho?" "Salte uma linha pra separar uma questão da outra!" "Vamos fazer um colorido bem bonito no mapa!" "Pare de andar sobre as carteiras, menino!" E eu sou do tipo que dá visto em todas as atividades. Costumo dar 10 pontos no caderno para incentivá-los a fazer as atividades. Sem falar no português. Como professora de história sinto-me  na obrigação de corrigir, pelo menos, os erros ortográficos. É cansativo.

Por outro lado, no Ensino Médio posso fazer uma coisa que adoro: falar de política. Professor de escola pública que não aproveita as aulas para ensinar os alunos a votar está dando bobeira. Está perdendo uma ótima oportunidade de dar o troco nesse governo que não nos valoriza. 




quinta-feira, 23 de maio de 2013

Ainda o Módulo II

Pra que tanto papel? É uma folha para cada frase. Insanidade BURROcrática. Uma coisa é certa, vou ampliar meu "pedagogês".

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Campeonato Mineiro na escola pública

No país do futebol toda segunda-feira pós decisão de campeonato deveria ser feriado escolar. Hoje foi aquela gritaria:

"Gaaaaaaaalooooooo!"

"Cruzeeeeeeeeeeeeeiroooooo!"

O Cruzeiro ganhou o jogo, mas perdeu o título para o Atlético. As duas torcidas, enlouquecidas, não pararam de gritar um minuto, a tarde inteira. A tarde inteirinha. Um inferno!

sábado, 18 de maio de 2013

Módulo II pra quê?

Essa coisa chamada Módulo II é bacana na teoria. Na prática, não vai pra frente. Professor precisa de independência. É normal. Esse controle que querem nos impor é um horror. Se tem que haver Módulo II, quem tem que estabelecer as regras são os próprios professores. Essa postura de controle é ridícula. A Secretaria de Educação trata os professores e diretores como alunos. "Se vocês não cumprirem as regras serão punidos!" O discurso é este. E o mais lamentável é que muitos  professores se submetem a essa humilhação de serem tratados como incapazes. A quantidade de papéis para preencher é interminável.

Hoje tem Módulo II. Não sei se vou comparecer. Tenho preguiça do ritual pedagógico. Aquelas mensagens que são distribuídas antes, tipo "mesmo que tudo esteja péssimo, sinta-se feliz" me cansam. Nas reuniões costumo dizer tudo o que penso francamente, por isso não sou bem aceita. Como as minhas ideias pedagógicas parecem loucas demais, recolho-me à minha insignificância e vou tocando a vida. Parto do princípio de que preciso ensinar meus alunos a interpretar um texto. Todo o resto é pretexto. Sigo o CBC adaptado à minha conveniência e à realidade dos meus alunos.

O Módulo II deveria ser um tempo gasto para decidir quais textos os alunos irão ler. Nós, caro colega, temos obrigação de selecionar bons textos. Bons textos, por favor! Só isso já melhoraria a escola pública. Acredito nisso. Despertar o interesse pela leitura. Todo o resto pode esperar.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

A vida continua


"Professora, a senhora está aflita!"

"Não é nada, meu anjo. Não se preocupe. Estou com uns probleminhas. Nada sério." Respondi, enquanto agradecia: "Obrigada por me trazer de volta à realidade."

Após passar uma semana surtada de tanta ansiedade, acordei mais calma na última segunda-feira. Nada como uma segunda-feira para colocar a cabeça no lugar. A vida continua. Agora é esperar, ouvir os médicos e tomar as decisões certas.

Os alunos sabem quando não estamos bem. Eles sentem. Principalmente se já foram nossos alunos e nos conhecem. Nem todos, é claro. Apenas os mais sensíveis. Os outros continuam com exigências:

"Fala a nota aí, 'fessora'! Não vai falar a nota, não?"

"Ela nunca fala a nota!"

Falo sim. Apenas demoro um pouco mais para dar o resultado, porque tento até o fim fazer com que eles escrevam, pelo menos, mais uma linha; para que eles façam, no mínimo, mais um exercício; para que eu não tenha que manchar o meu diário somente com  notas vermelhas. Sou do tipo que tem compromisso com o sucesso dos alunos, mas eles também têm que fazer a parte deles. 

Crianças e adolescentes  precisam de professores tranquilos, calmos, pouco ansiosos. A ansiedade tem o poder nefasto de não nos deixar escutar o que o outro quer nos dizer. Ouvimos, mas não escutamos. A ansiedade nos deixa mergulhados e fechados em nossos próprios dramas. A ansiedade nos paralisa quando precisamos agir. A conversa não chega aonde deveria chegar. Graças a Deus, passou.

Cobranças e estresse assaltam a vida de todos os professores. O tempo todo. Talvez seja impossível vivermos totalmente livres disso. O salário também não ajuda. Mas, é como diz o Leminski, um poeta que amo de paixão:

"Pra que cara feia?
Na vida
ninguém paga meia".   

sábado, 11 de maio de 2013

Oráculo

Estou passando por um momento pessoal muito difícil. Problema de saúde na família. Quem já passou por isso sabe como ficamos desorientados diante do diagnóstico de uma doença grave. Alguns se agarram a Deus. Outros, a Jesus. Várias pessoas fazem promessas aos santos de devoção. E existem aquelas que preparam uma boa oferenda para os orixás. Em matéria de religião, não tenho preconceitos. É assunto que me interessa muito, historicamente. Quanto à minha fé, sei que fraquejo, mas procuro, de acordo com a demanda, respeitar o mistério profundo da vida e da morte.

No desespero, fui bater à porta de um oráculo. Muitos vão dizer que essas coisas de magia têm parte com o diabo. No entanto, é bom lembrar que houve um tempo em que pessoas eram queimadas vivas, em praça pública, em nome de Deus e da Cristandade. Graças a Deus e aos homens, esse tempo passou. Tenho muito medo dessas pessoas que vêem o demônio em tudo. Imagine, viver enxergando o lado ruim de tudo o tempo todo! Deus me livre e guarde!

O "cartomante" que me atendeu é meu amigo de longa data. Morávamos na mesma cidade. Ele foi aluno de minha mãe. Antes da sessão, conversamos um pouco. Ele me contou do seu amor pela  Arte e da sua vontade de realizar uma performance vídeo-teatral. Após descrever as cenas surreais e maravilhosas que imaginou, lembrou-se de minha mãe e do dia em que tomou contato, pela primeira vez, com a poesia romântica indianista:

 _  Sua mãe entrou na sala e disse: "Hoje vamos estudar Gonçalves Dias". E começou a recitar o poema "I Juca Pirama". Ela recitava o poema e chorava. E eu, vendo aquela mulher tomada pelo poder da poesia, também chorei. Naquele momento a Arte foi revelada a mim, porque na minha casa eu não tinha contato com a Arte, nem com a Poesia.

Meu amigo me contou essa história emocionado. Senti vontade de chorar também. Não é incrível o poder que um(a) professor(a) tem sobre seus alunos? As marcas são pra toda vida.



  

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Quando o pau quebra (5)

É bom que fique claro, caro colega, que trabalho em uma das vinte piores escolas de Belo Horizonte. Ou do estado. No dia em que a professora de biologia comentou esse fato na sala dos professores tive uma crise nervosa de riso. Depois veio o terror de passar minha vida inteira nesse local insano de trabalho, e sem luz, sem lanterna, sem nem uma mísera vela para tentar encontrar o fim do túnel.

Hoje o pau quebrou, de novo. Um menino chutou a boca do outro caído no chão. Sangue para todos os lados. Gritaria, torcida, balbúrdia e caos. Os alunos (todos) saíram das salas (todas) em para ver a briga que aconteceu não sei aonde, mas parece que foi no pátio interno do andar de baixo.

Estou tão submersa nos meus longinquos pensamentos que nem reajo mais. Continuo impassivel a passar os exercícios no quadro. Atitude cínica, mas o que posso fazer? Quando a briga é dentro da minha classe entro no meio, separo, grito, xingo, faço as ocorrências, mando chamar pai e mãe, tomo as providências cabíveis. E ainda corro o risco de levar um socão no meio da cara.

D. Margarida tem medo de ser tragada pela onda de banalização da violência que inunda a escola pública estadual de periferia. D. Margarida tem medo de passar a achar tudo normal, que "não tem jeito", que "as coisas são assim mesmo". D. Margarida tem medo de se tornar uma velha resignada cheia de manias e "achismos".

domingo, 5 de maio de 2013

Conselho de classe

Para que serve um conselho de classe? Na teoria, pelo que sei, o conselho de classe serve para que os professores, reunidos, façam um balanço da situação das turmas, dos alunos, e decidam sobre questões referentes ao processo ensino-apredizagem, de maneira geral.

Entretanto, os conselhos de classe dos quais tenho participado se resumem a citar as médias alcançadas pelos alunos, enquanto as especialistas as anotam em um formulário. Será que não existe um programinha de computador para isso, não?

A intenção das especialistas é a melhor possível. Elas querem que os índices da escola melhorem. Elas se esforçam, mas a papelada sem fim acaba por afogá-las no mar da BURROcracia do Reino da Província. Uma papelada besta, sem sentido. Bastava uma ata do conselho. O resto, as notas, as médias, se perdeu, se ganhou, quem é destaque, quem não é, enfim, deixa tudo isso para um programa de computador. Aliás, é só usar o software do PAAE como modelo. Lança-se as notas e o programa fornece a sistematização dos dados em gráficos, incluindo o rendimento de cada aluno. Aí então, de posse desse material, as especialistas podem traçar uma estratégia, um planejamento, uma reunião mais produtiva.

É tão simples, mas o Reino da Província não quer saber da realidade. Ele quer viver da ilusão das propagandas dos seus feitos falsos na televisão.