sexta-feira, 30 de março de 2012

Evasão escolar x turmas lotadas

A coisa funciona (ou não funciona) assim:

D. Secretária de Educação comunicou às diretoras das escolas públicas estaduais que, este ano, as turmas deverão ter entre 40 e 45 alunos. A justificativa de d. Secretária é um primor do raciocínio lógico do poder executivo brasileiro. Como as escolas sofrem muita evasão (em torno de 30% e 40%), lota-se as salas. Assim, se os alunos abandonarem a escola, as classes ainda permanecerão com 25, 30 estudantes.

D. Margarida entra na sala lotada de alunos. O perfil da classe é o seguinte: 30% dos alunos conseguem caminhar mais ou menos sozinhos; outros 30% têm muita dificuldade e necessitam de atenção individualizada; e 30% da turma é semi analfabeta, não se sente motivada e faz muita bagunça o tempo todo. O único alento é que 10% da garotada é muito inteligente e dá conta de tudo.

D. Margarida precisa dar atenção individualizada a, pelos menos, 60% da turma. A classe está lotada. A indisciplina consome muito tempo. As crianças esforçadas sentem-se injustiçadas porque não recebem a atenção que merecem. Dessa forma, não se sentem estimuladas; não aprendem; não se desenvolvem; não evoluem; e vão perdendo o interesse pela escola. Os bagunceiros resolvem uma questão aqui, outra acolá. D. Margarida tenta estimulá-los, mas o tempo é curto. Os alunos permanecem semi-analfabetos e vão sendo empurrados até chegarem ao ensino médio.

A turma lotada prejudica a qualidade do ensino. O aluno perde o interesse pela escola porque pensa que não consegue aprender. O professor não dispõe do tempo necessário para lhe ensinar e lhe dar a atenção que faria toda a diferença.

A evasão irá acontecer,de qualquer forma, mais cedo ou mais tarde, porque a escola não consegue cumprir o papel de ser um refúgio contra as  injustiças sociais. As políticas públicas governamentais fazem questão de reproduzir essas injustiças dentro do ambiente escolar. Precisamos de mais escolas, turmas menores, mais qualidade. Dessa forma, a evasão seria contida ou, pelo menos, diminuída.

A justificativa do governo é a de que não tem dinheiro. O Estado brasileiro nunca tem dinheiro suficiente para a Educação e para a Saúde. Não tem mesmo não. E sabe por que? Simplesmente porque a classe empresarial brasileira só se dispõe a investir R$ 10,00 em qualquer coisa neste país, se o governo investir R$ 30,00 e ainda lhe der garantia de lucros de R$ 40,00. Enquanto o governo tiver que "incentivar" os investimentos no país, ou seja, financiar e dar garantias aos empresários, com todas as benesses que oferece, nunca terá dinheiro mesmo não. Nem para a Educação e nem para a Saúde.

Tudo é uma questão de prioridade. A prioridade do governo do Reino da Província é asfaltar estradas. Asfalto rende voto. Educação, não. Pelo contrário.

terça-feira, 27 de março de 2012

Quando o pau quebra (3)

Hoje o pau quebrou. De novo.

R. passa mais tempo fora da sala perambulando pela escola do que qualquer outra coisa. Lembro-me dele no primeiro dia de aula e só. Nunca mais apareceu. Hoje, não sei porque, resolveu nos dar o ar de sua graça. Entrou na sala no último horário.

Os alunos estavam a colorir uns desenhos de dinossauros muito legais como prêmio por já terem realizado uma atividade escrita sobre o assunto. Para fazer com que os preguiçosos recalcitrantes  realizassem o estudo dirigido, prometi o desenho com a condição de que escrevessem algumas linhas, pelo menos.

Pois muito bem: R. entrou e já queria ganhar o desenho. Disse-lhe quais eram as regras e entreguei-lhe o texto para que respondesse as questões. Depois lhe daria o desenho. Sei que R. é problemático. Poderia ter lhe dado o desenho, mas não seria justo com os outros que se esforçavam para fazer o exercício.

Então, naquela confusão de dar visto nos cadernos, atender aos alunos, chamar a atenção de uns e outros, não dei muita atenção quando uma aluna reclamou que R. estava importunando-a. Parte da turma estava agitada e eu precisava dar os vistos nos cadernos. Foi o meu erro.

R. avançou sobre essa menina e começou a esmurrar seu rosto com socos furiosos. Geralmente, quando tem um arranca-rabo na classe, antes de virar briga séria, entro no meio e separo. Uns alunos até me ajudam. E quase sempre consigo apagar o fogo antes do incêndio. Mas desta vez, caro colega, desta vez tive medo. O menino socava a menina com tanta força, com tanta raiva... Corri pra porta e pedi ajuda ao "disciplinário" e a quem mais estivesse ali por perto.

A boca da menina ficou ensanguentada. Aconselhei-a a procurar a polícia, junto com seus pais. R. foi retirado da sala e não o vi mais. Fiz a ocorrência escolar e voltei para casa. Completamente arrasada.



domingo, 25 de março de 2012

Quando D. Margarida pira (2)

Eu já lhe disse, caro colega, que este ano estou lecionando para os sextos anos? Estou enlouquecendo com a gritaria sem fim dos pirralhos. Tem hora que não aguento e solto uns gritos:

- SEEEEEEEEENTA , MENINO!

Isso, claro, depois de pedir umas trinta vezes de forma polida: "Sente-se por favor", "Silêncio, por favor", "Fulaninho, sente-se na sua carteira, por favor", "Vamos começar a aula? Vamos nos sentar?".

_ SEEEEEEEEENTA, PESTE!

Não falo, mas penso. Sinto vontade de agarrá-los pelos braços, de segurá-los pelas golas e socá-los nas cadeiras. Imagino-me segurando uma palmatória enorme, balançando-a pra cá e pra lá, nervosamente, autoritariamente, ameaçando a todo momento estraçalhar suas mãozinhas imundas. E eles, de cabecinhas baixas, morrendo de medo, sentadinhos, caladinhos, copiando, copiando, copiando. E d. Margarida, sem papas na língua, tendo regredido um século no túnel do tempo da imaginação, reinando absoluta e vitoriosa como a rainha da disciplina incondicional dos seus sextos anos:

_ MENINO CHATO! MENINO INSUPORTÁVEL! SUA MÃE NÃO LHE DEU EDUCAÇÃO, NÃO? ELA DEVE TER LHE DADO EDUCAÇÃO, MAS COMO VOCÊ É MUITO BURRO, MUITO IDIOTA, NÃO APRENDEU NADA! PESTE!

Delírios, alucinações. Definitivamente estou enlouquecendo e ainda estamos em março. Será possível completar o ano letivo sem remedinhos tarja preta e licenças médicas? Creio que não.


quarta-feira, 21 de março de 2012

A carta

De vez em quando (ou quase sempre, como preferir), nossos governantes nos oferecem de bandeja uma boa oportunidade para desmascarar, com classe, suas mentiras deslavadas. Esses momentos acontecem quando eles subestimam a inteligência do povo. Só não aproveita a chance de espinafrar o governo quem não quer. Ou quem é muito alienado.

Pois muito bem.  D. Secretária de Educação ordenou a distribuição de uma carta aos pais de todos os alunos da rede estadual. Esse folheto dizia, com todas as letras, que o reajuste dado "aos professores de Minas é, proporcionalmente, 85% superior ao piso nacional". A carta dizia também outras mentiras: que a educação mineira está ótima, melhorando; que 88,9% dos alunos de oito anos "dominam a leitura e a escrita". Enfim, uma carta de propaganda feita com dinheiro público. As escolas receberam verbas especiais para comprar papel, tinta e selos adesivos.

Fui incumbida de distribuir a tal carta nos segundos anos do ensino médio. Distribuição criteriosa, com lista de chamada devidamente assinada pelos alunos como comprovante. Antes de distribuir o papel infame, expliquei com toda clareza aos alunos qual deveria ser o valor do meu salário se o dr. governador tivesse concedido o piso nacional proporcional de acordo com o plano de carreira do magistério. Depois, com toda calma, revelei o valor do meu salário atual de acordo com a nova tabela do subsídio. Só isso. Não precisei dizer mais nada. Meus alunos são muito inteligentes:

_ Professora, o cara está te roubando! Não vou entregar carta nenhuma.

_ Por que vocês não fazem greve de novo?

_ Que absurdo, professora! A senhora ganha só isso? Mil reais não dá pra nada.

_ Vou jogar essa carta fora!

Por mim, eles podiam jogar a carta na lixeira ali mesmo. Mas, para não dar problemas para a diretora, recomendei que a partir do portão da escola para fora eles poderiam fazer o que quisessem com aquela carta.

E fui para casa. Feliz.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Rotina

F. é um aluno simplesmente insuportável. Como apanha muito do pai, vive distribuindo tapas nos colegas. Não sei o que fazer com ele. Preciso da ajuda especializada de um psicólogo, mas não existem psicólogos no quadro funcional das escolas estaduais de MG.

W. é outro aluno igualmente intolerável. A mãe diz que o menino é hiperativo e toma remédio controlado. Se isso for verdade, os miligramas do medicamento precisam ser aumentados, porque o menino não pára quieto, não escreve uma linha sequer  e prejudica o processo de aprendizagem de toda a classe. Um inferno. Preciso da ajuda especializada de um assistente social que monitore a mãe e o tratamento desse menino; uma pessoa para checar se a medicação está sendo ministrada corretamente; para certificar que a mãe está falando a verdade; para averiguar se a mãe está levando o menino ao médico com a regularidade que o tratamento exige, enfim... preciso, mas não existem assistentes sociais nas escolas estaduais de MG.

Os dois meninos prejudicam os colegas. Eles impedem que os outros aprendam. A Secretaria de Estado da Educação de MG não faz nada, não oferece nada, nenhum programa para ajudar. Se o professor não dá conta, é taxado de incompetente. Enquanto o governo cultiva, com todo carinho, a sua eterna Burrocracia, 60 alunos estão sendo impedidos de aproveitar seu tempo escolar por causa de apenas dois meninos problemáticos e  desajustados.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Pensamentos soltos

Não é a falta de civilidade dos filhos das classes pobres que me assusta. O que me aterroriza é a falta de ética dos filhos das elites deste país.

Não é a visão antiquada de educação que alguns professores insistem em manter que me assusta. O que me aterroriza é a miopia do governo para enxergar que não existe Educação de qualidade sem a valorização do professor.

Não é a mediocridade vigente que me assusta. O que me aterroriza é a falta da perspectiva de um futuro melhor para nós, caro colega.

sexta-feira, 2 de março de 2012

A pedra no meu sapato

No meio do caminho tinha um pestinha
tinha um pestinha no meio do caminho
tinha um pestinha
no meio do caminho tinha um pestinha.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas empoeiradas de giz.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha um pestinha
tinha um pestinha no meio do caminho
no meio do caminho tinha um pestinha.

(sempre tem um pestinha no meio do caminho)