quinta-feira, 26 de maio de 2011

Palavrinhas e palavrões

L. tem 14 anos e uma caligrafia péssima. Na aula passada, não consegui corrigir sua atividade porque não dei conta de decifrar o que ele tinha escrito no caderno.

"Pode deixar, professora. Eu passo a limpo. Eu passo a limpo."

"Na próxima aula, então, dou o visto no seu caderno, está bem?"

Chegou a "próxima aula". L. estava lá, me esperando, impaciente, com o caderno em riste:

"Olha meu caderno, professora! Olha meu caderno!"

Com custo consegui convencê-lo a esperar, um pouco. Após passar novas atividades no quadro, sentar e fazer a chamada, recebi L. e seu caderno em minha mesa.

Começei a corrigi-lo e, como de costume, algumas respostas não estavam corretas. Fui corrigindo e explicando, corrigindo e explicando...quando me deparei com a última questão, simplesmente ilegível.

"L., o que está escrito aqui?" interroguei-o. "Que palavra é esta? Leia-a para mim, por favor."

O menino atrapalhou-se todo. Não sabia responder. Ficou claro que tinha copiado a resposta de algum colega. Apontou um "AE" e disse que era Estados Unidos. Al Qaeda estava grafada como "a gaba". Nem ele, coitado, entendia a própria letra.

Somadas toda as questões, as corretas e as incorretas (mais incorretas do que corretas), ainda lhe dei dois pontos no exercício que valia quatro.

De repente, L. arrancou o caderno das minhas mãos, saiu batendo o pé, morto de raiva, parou no meio da sala,virou-se para mim e disse:

"Vai tomar no c...!"

Fiquei surpresa. Nunca um aluno havia falado comigo assim. Imediatamente pedi que saísse da sala. E continuei a aula, normalmente.

Mas, quer saber? Achei foi é graça no jeito de L. dizer "vai tomar no c...". Ele bateu o pé, deu uma olhada de lado, uma quebrada de pescoço, e sem alterar o tom de voz, bem afetado, disse: "Vai tomar no c...!"

Não tem problema não. Farei a ocorrência, chamarei a mãe e blablablá, blablablá. Nada se resolverá. Não posso suspendê-lo. E ainda terei que reconquistá-lo.

É melhor rir  do que deprimir.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Corajosa! Poderosa! Fabulosa!

Se você tiver um tempinho,caro colega, dê uma olhada na barra de vídeo que adicionei ao blog, com o depoimento da professora Amanda Gurgel, do RN.

Se estiver rodando muito devagar, é só ir no You Tube e selecionar Professora do RN.

O melhor vídeo dos últimos anos!

Ainda sobre a polêmica do tal livro dídático...

E quando alguns caros colegas dizem "vou estar encaminhando", "vou estar distribuindo", "vou estar passando nas salas de aula"? Sinto vontade de esconder minha cara em um buraco no chão. Esta praga medonha, o "gerundismo", contaminou a nossa língua e está presente em todo lugar, até na escola.

Ah! E existem outras pérolas que escutamos entre os nossos pares, todos os dias: "estou meia doente"; "estou menas cansada", "vamos parar com essa discurssão", "são meio dia e meio".Enfim, me responda, por favor: você corrige os seus colegas? Qual é a diferença entre as pérolas citadas acima e o "nóis foi", "nóis cumeu", "nóis gosta", dos alunos??

Todos nós cometemos erros de português. Nossa função enquanto educadores é ensinar, praticar e difundir a norma culta da língua. E não precisamos carregar na tinta para corrigir nossos alunos. Podemos fazer isso de maneira leve, bem humorada e mais tolerante. Afinal, o aprendizado da língua é para a vida toda. E na escola, penso eu, o mais importante e mais difícil é aprender a pensar, a raciocinar, a relacionar e construir conhecimentos úteis. O mais difícil é aprender a ler o mundo.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Sobre a polêmica do livro didático

A polêmica já esfriou, mas vamos lá...

Sinceramente, para mim a questão é clara e  muito simples.A maioria dos meus alunos não falam e não escrevem usando a norma culta da língua. A minha função como professora é ensiná-los a se expressarem na norma culta.

Apesar de ser professora de história, sempre corrigi a ortografia nos trabalhos, provas e textos. Peço para eles reescreverem três vezes cada palavra que erram. Exijo capricho com o caderno. Ensino a saltar linhas entre uma questão e outra. "O texto precisa respirar". "Como assim, professora? Desde quando texto respira?" Eles acham graça. Ameaço tirar um ponto se eles escreverem o nome de um país com letra minúscula. E eles escrevem: brasil, frança, portugal. Oitavos e nonos anos! Xingo quando a letra é um garrancho: "Não sou paleógrafa! Se você não der um jeito na sua letra, você será prejudicado na sua vida escolar. Você é um menino inteligente, você tem que melhorar sua caligrafia!"

Ajo dentro do meu limite. Não sou a professora de português. E não acho que a responsabilidade pelo ensinamento da norma culta da língua deva ser exclusivamente dela. Não digo aos meus alunos que eles falam ERRADO. Não uso esse argumento contra eles, mas me esforço para que eles aprendam a ler e a escrever dentro de um padrão de inteligibilidade.

E quando um aluno escreve "pacto colonial são quando portugal só comércio e a colônia só faz comércio com metropolitano", o que eu faço? Dou meio ponto. Valeu a intenção. Ele quase chegou lá.

Procuro não sofrer. Não alimento falsas expectativas em relação aos meus alunos. Sou exigente na qualidade e na quantidade das atividades, pois eles têm que se desenvolver, estão na escola para isso.

De vez em quando, eles me surpreendem. E esses momentos em que eles mostram que apreenderam algum conhecimento valem todos os outros.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

13 de maio, "dia da macumba"?

Quando eu era menina, o 13 de maio era comemorado na escola como uma data muito importante: o aniversário da Abolição da Escravatura.

Pois bem. Perguntei aos alunos: que dia é hoje?

"Dia da macumba", responderam, por ser hoje uma sexta-feira 13, dia de azar.

"O que comemoramos no dia 13 de maio?", perguntei.

Ninguém soube responder.

Acontece...

Na terça-feira passada, tive um chilique durante a quarta aula no oitavo ano c. Estava transbordando de impaciência por causa da conversação incessante, quando um aluno jogou o estojo do colega pela janela. Um outro que já estava à espreita, perto da porta, esperando qualquer distração minha para sair da sala, saiu sem me pedir permissão para buscar o tal estojo.Dei um berro no corredor que foi ouvido em todas as outras dez turmas da escola:

"Ô menino, quem deixou você sair? Volte agora pra sala de aula!"

"Calma, professora. Vou buscar o estojo..."

"Não me interessa. Entre agora!" E me dirigi à turma: "Vocês estão pensando o quê? Preparo a aula com o maior carinho e vocês não param de conversar um minuto sequer?"

A professora de Ciências veio em meu socorro: "Gente, estou dando uma prova na turma ao lado, vocês estão conversando muito alto, o barulho está atrapalhando os outros alunos..." ela falava baixinho para ver se os ânimos se acalmavam.

Eu, transtornada, continuei com minha metralhadora verbal:

"Vocês só vem à escola por causa da bolsa família. Só estão aqui para as mães de vocês receberem o dinheiro do bolsa família".

Aí o caldo entornou de vez: os alunos se ofenderam e começaram a retrucar, o tumulto aumentou, a professora de ciências desistiu de me ajudar  e foi embora. O bate boca insensato continuou até a chegada da especialista que fez com que todos se calassem. Não esperei duas vezes. Aproveitei o silêncio e emendei o meu discurso:

"Esta turma não sabe fazer silêncio para ouvir a professora! Eu peço 'por favor', mas ninguém me atende, então eu grito porque essa parece ser a única linguagem que vocês entendem. O que vocês pensam que eu sou? Vocês acham que eu tenho sangue de barata? Respeito às pessoas é uma coisa que se aprende em casa, com a mãe. Eu sou a professora! Vocês acham que eu caí aqui de pára-quedas? Eu estudei para estar aqui, eu me formei em uma das melhores universidades do país, eu fiz concurso público, passei, estou aqui por mérito! Eu sei o que estou fazendo quando preparo uma aula com  o maior carinho, para que esta aula seja a menos chata possível, para que vocês possam se desenvolver, desenvolver o cérebro, aprender a pensar, a ter senso crítico, que é única coisa para a qual a escola serve! O problema é que eu dou liberdade para vocês e vocês perdem o limite! Esta turma não tem limite!..." e blá, blá, blá...

Ao fim e ao cabo, os alunos até se comoveram com o meu discurso e concordaram comigo, a especialista me apoiou, e tudo ficou relativamente em paz.

Mas a ressaca moral de ter batido boca com adolescentes, de ter tido esse momento de descontrole e ter dado detalhe pra escola inteira... Ah, essa ressaca é péssima!

domingo, 8 de maio de 2011

Dia dos professores-mães.

Dia das Mães, domingo em família.

Somos todos nós, professores e professoras, movidos por um forte instinto protetor e maternal que nos protege de certa forma da selvageria da crise de valores que vivemos hoje em dia, nas salas de aula.

Sempre digo aos meus alunos: quem ensina a se comportar educadamente, a escutar, a respeitar as pessoas, a saber falar na hora certa é a mãe (e o pai, quando eles têm um). Professor ensina a matéria. (E dá exemplo de boa educação, obviamente).

Discurso velho e pouco realista porque, na prática, acaba sobrando pra nós, caro colega, a educação de alunos que parecem não ter mãe.

Antigamente, a família educava e a escola instruía. Hoje a família não educa e a escola não dá conta de instruir satisfatoriamente porque gasta tempo demais tentando civilizar os alunos.

Por isso, desejo a você, caro colega, um feliz dia das mães. Sim, hoje é o seu dia também.

terça-feira, 3 de maio de 2011

To subsídio, or not to subsídio?

Todos devem estar se perguntando sobre qual a melhor opção: retornar à velha carreira ou ficar na nova?

Passei a tarde na internet pesquisando sobre o assunto e, pasmem, não consegui acessar o site da Secretaria de Estado da Educação!

O Euler, no seu blog, diz que devemos voltar pra carreira antiga e lutar pelo piso já aprovado pelo STF (leia). A opinião do sindicato, saberei amanhã, na assembléia.

Aconteceu no IPSEMG. O governo transformou o salário dos servidores num valor unificado tipo subsídio e deu opção de escolha, carreira nova ou antiga.Sabe o que aconteceu? A carreira antiga foi congelada e o governo foi  incorporando lenta e gradualmente todas as vantagens ao vencimento básico.

Os servidores entraram na justiça e perderam, pois o governo alegou que "não existe direito adquirido sobre regime jurídico". Traduzindo: o governo pode fazer as alterações que quiser na composição do contracheque, desde que não haja redução do valor total do vencimento. Esse é o entendimento do poder judiciário.

Mas, no caso do IPSEMG, os funcionários não tinham a seu favor uma decisão federal instituindo um piso salarial como vencimento básico.

E aí?  Optar pela velha carreira e meter logo uma greve de 60 dias nas fuças do governo, exigindo o cumprimento do piso, ou se manter no subsídio? Financeiramente será que vamos trocar seis por meia dúzia?

Ai , meu Deus! Por que não estudei Direito como mamãe queria?

To subsídio, or not to subsídio?