sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Feliz 2012!

Em novembro, este blog completou um ano. Não comemorei. Esqueci completamente. Muito trabalho e fim de ano acumulados. Em 2011, voltei a estudar. Voltei a ser aluna.

Engraçado voltar a ser aluna depois de tanto tempo longe da universidade. De aluna desatenta na graduação passei a aluna nerd no curso de especialização. Meu boletim está cheio de conceitos A.

Reencontrei professores da época do meu passado negro. Nada como o passar dos anos para se entender que a vida é um pouco mais complicada do que julgamos quando temos 20 anos. E esses dez anos como professora em escolas públicas estaduais fizeram-me enxergar o quanto uma formação superior sólida é fundamental para se enfrentar o monstro da ignorância que grassa solto na Educação brasileira em geral.

Quanto mais eu dominar o conteúdo da minha disciplina, menos os alunos irão se tornar indiferentes a mim. O que nos deixa doentes, caro colega, é a indiferença. Não é o aluno que tem dificuldades para aprender que me assusta. Para ele estou preparada. O que me ameaça com a depressão são os alunos alheios à escola. Para eles, eu não valho nada. Eles não querem saber o que tenho a dizer.

Pode ser que haja alguma esperança para todos nós.
Desejo-lhe ótimas festas de fim de ano. E que venha 2012, com suas promessas de grandes mudanças.



segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Retrospectiva 2011

Caro colega,

Penso ter sido fútil e insensível na última postagem desejando um "felicíssimo Natal" para todos. Ainda estamos amargando a não negociação do piso e a imposição do subsídio depois de mais de cem dias de uma greve sofrida, com cortes de salário, e todas as baixarias desse governo que se autodefine como eficiente e competente e se apóia eleitoralmente em alguns quilômetros de asfaltamento de estradas vicinais do Reino da Província.

Gostaria de dizer que, apesar de tudo, podemos nos considerar parcialmente vitoriosos, afinal conseguimos afetar a imagem do governo em relação à péssima situação da Educação e dos educadores em Minas Gerais. Mesmo sem piso, conseguimos um aumento de salário, que obviamente está longe de ser o suficiente para a nossa sobrevivência.

A luta não terminou. Com ou sem piso salarial, precisamos continuar lutando para ganharmos, pelo menos, 05 salários mínimos por cargo. Precisamos continuar lutando para que a sociedade brasileira, que paga impostos altíssimos, tome consciência de que uma educação pública, gratuita e de qualidade é um direito seu e um dever do Estado. Precisamos continuar lutando para mostrarmos à população que esse país não terá futuro se a maioria da população permanecer semi-analfabeta.

Por isso, caro colega, temos que continuar, em casa, nas ruas, nas escolas, participando mais, ampliando nossa consciência política, militando, denunciando, não aceitando, reivindicando, enfim, temos que continuar lutando por mais justiça social. A nossa causa é justíssima! Não lutamos apenas por salário. Lutamos por uma educação de qualidade, lutamos por justiça social, lutamos por uma sociedade melhor, lutamos pelo futuro de nossos alunos.

A luta continua!

sábado, 24 de dezembro de 2011

Enfim, é Natal...e férias!

Caros colegas,

Felicíssimo Natal para todos! Desejo-lhes um Natal menos consumista, mas repleto de ótimos encontros com amigos e parentes. Boas comidinhas e inebriantes bebidinhas! É melhor rir do que deprimir.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Sem título (4)

Não aguento mais ver papel na minha frente. A tal recuperação paralela é a fábrica primordial da cultura da impunidade que reina neste país. Aqui não se ensina ao povo a assumir a responsabilidade por seus próprios atos. Se isso fosse feito desde a mais tenra idade, na escola e na família, talvez em duas gerações haveria uma mudança significativa de mentalidade.

Os pais acham que só do filho ter acesso à escola que eles próprios não tiveram na infância e na adolescência já está de bom tamanho. Tive uma aluna que se formou no ano passado e  foi a primeira pessoa de toda sua família (incluindo tios, tias e primos) a completar o ensino médio. Os pais ainda não se preocupam, como deveriam, com a qualidade do ensino. Só de ter a escola já está muito bom.

Assim podemos dizer que 30% dos alunos não têm compromisso algum com os estudos. São "malandros". Frequentam a escola porque são obrigados. Eles praticam vandalismo, copiam os exercícios dos alunos mais inteligentes, matam aulas, ficam a zanzar pela escola, a importunar os outros que querem estudar, não produzem nada, conversam, desafiam os professores, enfim, agem como querem porque sabem que nada lhes acontecerá. Ao fim e ao cabo, receberão ainda muitas chances para "passar de ano". E não serão reprovados porque alguns professores preferem passar o aluno de ano a ter de lidar com ele no próximo ano letivo. São projetos de cidadãos que aprendem, desde cedo, a desperdiçar o dinheiro público. Aprendem a não ter respeito algum pela "coisa pública". Sim, porque escola pública custa dinheiro e dinheiro não dá em árvores. Não cai do céu.

E o governo brasileiro, paternalista como sempre, é incapaz de chamar os pais na responsabilidade. Se resolveu ter filhos, cuide deles, eduque-os, porque professor não está na sala de aula para ensinar o que é obrigação da família ensinar. Confrontar as classes mais populares não é interessante do ponto de vista eleitoral. a mentalidade que prevalece é "coitadinho do pobre". Coitados, sim. A vida deles é duríssima. a desigualdade social é algo a se combater neste país. Mas o pobre não é um coitadinho. É a mentalidade de toda sociedade que precisa mudar. Em relação a quase tudo.

 E a imprensa burguesa, elitizada, das principais revistas semanais do país, quando resolve publicar artigos sobre Educação, é sempre enfática em afirmar que a culpa da má qualidade é do professor "despreparado". A família nunca é responsabilizada, nem em parte. Afinal, "coitadinhos dos pobres"! A escola pública de hoje, com seu processo de progressão continuada é o berçário da cultura da impunidade que reina na sociedade brasileira. O Estado tem a obrigação de oferecer um sistema eficiente e humanista de planejamento familiar e também tem a obrigação de cobrar das famílias a responsabilidade básica de educar e cuidar de seus filhos.


quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Palavras-chaves: vingança; prato frio.

Eu não sei quanto a você, caro colega, mas eu vou guardar direitinho o folheto que o Sind-Ute MG publicou no jornal O Tempo, de hoje; e quando vierem as eleições eu garanto a você que nenhum aluno meu vai votar naqueles "f... (de) putados" que votaram contra o piso dos professores. Pode apostar.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

"Tem que passar"...

Final de ano é um desespero. Uma desorganização total e absoluta. Os alunos que já passaram de ano em todas as matérias não podem ser mandados para casa, pois o Estado brasileiro entende que o aluno tem direito a assistir às aulas. Só que a essa altura, a última coisa que o aluno quer é assistir às aulas. Então, ele fica zanzando pelo colégio, endossando os decibéis altíssimos responsáveis por nossa surdez progressiva. Os outros, que não fizeram nada o ano inteiro, passam a perseguir os professores pela escola:

"Eu passei, professora? Eu passei? Eu passei?"

O que o governo não quer é que o aluno pobre da escola pública vá para a porta das lojas e dos shoppings e fique com caixinhas de sapato na mão, pedindo trocados para o Natal. Criança pobre na rua não pode. Tem que ficar dentro da escola, mesmo quando já passou de ano.

No meu tempo de menina, entrávamos em férias no dia 1º de dezembro. Os colegas em recuperação  frequentavam mais duas semanas de aulas. Era um castigo. Nós estudávamos muito para não pegar recuperação. Tínhamos mais férias e o ensino era melhor.

Quando o governo vai aprender que quantidade não significa qualidade? Talvez nunca, pois já estão abrindo para consulta pública a proposta de cinco horas de aulas por dia.

Por enquanto, o inferno de Dante continua até o dia 16 de dezembro. Espero não enlouquecer até lá. Sou obrigada pelas circunstâncias a continuar compactuando com a farsa dos índices da Educação que o governo apresenta na televisão. Na realidade, se fosse seguir critérios puramente didático-pedagógicos, reprovaria 40% dos meus alunos. Mas, "tem que passar", "tem que passar", "tem que passar"... O governo precisa apresentar índices educacionais positivos para conseguir seus empréstimos e financiamentos internacionais. Para ficar bem na foto.

É tudo uma grande farsa! Sinto nojo. A Educação brasileira é "só pra inglês ver".

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Palavrinhas e palavrões (2)


Você, caro colega, deve estar farto de ouvir palavrões na sala de aula. É bom dizer que palavrões não são um  patrimônio cultural exclusivo das classes menos favorecidas. A sociedade brasileira adora um palavrão. Os políticos são os primeiros a dar exemplo: "porra", "caralho" e "filho da puta" fazem parte de seus discursos privados que frequentemente vazam no Youtube. Em inúmeras mesas dos bares da vida, já ouvi muitos palavrões da boca de advogados, médicos, economistas e até de professores. Eu também falo, mas confesso sentir um pouco de preguiça, pois acho a língua portuguesa muito rica e engraçada. Algumas palavras são ótimas, principalmente para espinafrar os políticos.

Na sala de aula, geralmente, escutamos muitos, muitos palavrões. Não bastasse o salário miserável, você é obrigado a ouvir palavras de baixo calão diariamente. Isso cansa a cabeça. Provoca depressão.

Pois muito bem. Um dia tive um insight, mas alguns vão dizer por aí que pirei.

Estava eu a dar uma aula, quando ouvi da boca de um aluno:

"Ô, 'bu...' !"

Imediatamente, falei:

"Ô, menino! Sabia que pra nascer você passou por uma 'bu...' ?"

A sala inteira caiu na gargalhada e começou a zoar o garoto. Com os olhos fora de órbita, ele respondeu:

"Que é isso, professora?"

 Expliquei:

"A da sua mãe".

 E para amenizar a situação em que o coloquei, emendei:

"Todo mundo aqui nesta sala passou por uma 'bu'... pra nascer. Inclusive eu."

Os alunos pararam de zoar e começaram a me olhar, meio rindo, meio cochichando, meio tentando entender o que eu estava tentando dizer. Até que uma espertinha disse:

"Eu, não. Minha mãe foi operada".

Não dei moleza:

"Mas pra entrar, entrou pela 'bu...'. Todos nós estamos aqui por causa das nossas mães. É a mulher que tem o dom de gerar uma nova vida no interior do corpo. E quando vocês se referem a essa parte do corpo da mulher com tanto desprezo, vocês deveriam pensar mais nisso: é uma parte importante do corpo da mulher, responsável pela geração de novas vidas".

Eles escutaram, pararam de zoar e até tive a impressão de que eles realmente compreenderam. Para finalizar a questão com chave de ouro uma garota disse:

"É, professora, mas não é assim que fala, né? Não é 'bu...'. O nome certo é 'vargínia', não é , professora?"

A partir desse momento nem me lembro mais o que respondi. Acho que a corrigi discretamente. No fundo, fiquei assustada com a minha coragem. Afinal, mães são sagradas. Imagine, falar da 'bu...' da mãe do aluno! Tudo poderia ter dado errado. Mas, graças à Santa Ana, deu certo. Nunca mais eles disseram esse palavrão. Pelo menos, não na minha aula. E a história correu a escola. E posso lhe afirmar que depois disso, 'bu...' se tornou um palavrão muito mais raro no ambiente escolar. Pra falar a verdade, nem o escuto mais.




sábado, 3 de dezembro de 2011

Últimos cem metros

Você sabe, caro colega, o que me dá mais cansaço e desespero? Não é o aluno que precisa de 35 pontos em 25. Desse aí  eu já desisti. Se ele conseguir passar de ano nos últimos minutos do segundo tempo, ótimo. O que me dá mais raiva é o aluno que precisa somente de 15 ou 16 pontos em 25 e... some. Ele pára de frequentar as aulas. Quando vai, não realiza os exercícios e caminha a passos largos pra uma reprovação que não precisava acontecer.

Dei todas as chances, ao longo do ano, para ele precisar somente de 15 em 25 para passar. Recuperação paralela. Ou progressão continuada. Mil chances...e aí, quando chega dezembro, o aluno empaca, não faz mais  nada, não escreve, não consegue processar o que aprendeu, não consegue organizar um pensamento em forma de palavras em uma folha de papel, não consegue interpretar um texto simples.

"Vovô viu a uva".
Questão: "Quem viu a uva?"
Resposta: "a ulva".

E há a preguiça, claro. Tenho alunos tão preguiçosos, tão preguiçosos que eu diria que são deprimidos. Casos excelentes para psicólogos e psicopedagogos. Autoestima péssima. Não acreditam na própria inteligência. Não dou conta de lidar com isso. Não sou especialista. Faço o que posso. Incentivo, elogio, explico mil vezes, mas minhas ações não surtem efeito.Não sou uma ótima professora. Sou apenas uma professora. Não tenho varinha de condão pra resolver os problemas familiares dos alunos.

O governo e alguns economistas e teóricos da Educação acham que tudo se resume à "competência" do professor. É como se ele pudesse tudo, como se tivesse o dom de transformar corações e mentes. Transformados pela escola, os alunos seriam capazes de transformar suas famílias e consequentemente seu meio social. Não deixa de ser uma utopia.

A verdade é que a escola não é boa porque a sociedade também não é. Escola e sociedade se espelham.

Como eu disse, sou apenas uma professora. Não sou Deus. Eu não sou Jesus.