sexta-feira, 27 de abril de 2012

Módulo (só se for lunar)

Consultando o Novo Dicionário Aurélio não consigo estabelecer uma correspondência entre o significado da palavra módulo e o sentido que a Secretaria de (des) Educação lhe dá.

Seria muito mais simples dizer apenas "reunião pedagógica". "Vamos fazer uma reunião pedagógica para traçarmos novas estratégias didáticas". Esta frase está correta, não está? Então, por que usar a palavra "módulo"?

Se pensarmos bem, módulo é uma palavra que reflete exatamente a visão que a SEE tem da educação. A percepção de uma educação compartimentada, feita de pedaços, medidas, unidades, segmentos, setores, enfim, módulos que deveriam se encaixar na construção de um todo, mas que acabam desmoronando porque a base é fraca.

Não obstante tanta nomenclatura, a realidade dos nossos alunos demanda outra concepção de educação. Precisamos, antes de tudo, de uma educação mais humanista, mais lúdica, mais unificada, totalmente interdisciplinar, multimídia, livre, sem amarras, sem cercas internas.  Precisamos de mais liberdade e autonomia pedagógica nas escolas públicas.

Deveríamos dispensar totalmente a BURROcracia do estado.



domingo, 22 de abril de 2012

Ressaca

Diz o ditado que "pra tudo na vida há sempre uma primeira vez". A pior estréia para um professor é, sem dúvida, ter de ir à delegacia dar queixa de um aluno que o ameaçou de morte.

Infelizmente passei por isso e ainda estou meio passada, de ressaca, repensando algumas certezas.

Se fosse simples questão de escolha, a delegacia seria a última das opções. No entanto, levei o caso até o fim. O garoto dormiu no alojamento da polícia "sob a tutela do estado".

No dia seguinte, fui à escola normalmente. Normalmente, entrei na sala. E, normalmente, os coleguinhas do "elemento" queriam que o circo pegasse fogo, de novo. "Olha ele lá, professora!" "Ele veio, professora!"

Encerrei o assunto, "na lata":

 "É, eu sei. Fiquei com ele até às nove horas da noite de ontem. Já me encontrei e conversei com a mãe dele também. Não vamos mais falar sobre isso, está bem?"

Resumo da ópera: o "peste" continua infernizando minhas aulas. Tento fingir que ele não me incomoda. Deixo o pau quebrar pra lá. Preocupo-me apenas com aqueles que querem realmente aprender.

Não sou Deus, não sou Jesus pra tocar o ombro desse menino e exorcizar os demônios que o atormentam. Não sinto culpa nenhuma. Sou ótima professora. O governo é que não presta e não faz o que deveria para garantir a qualidade na educação pública.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

A carta (2)

Recebi uma carta da Secretaria de (Des) Educação do Reino da Província comunicando, entre outras desgraças, que receberei um aumento de 5% no próximo mês. Em dinheiro, esse percentual equivale a 70 reais. E não faz nem cócegas no bolso. Meu escorpião continua lá, a me lembrar que continuo pobre e desvalorizada, e que se eu tiver um ataque esquizofrênico de consumismo por conta desta mixaria de aumento vou me ferrar com o cartão de crédito nos próximos meses.

Que dureza! Meu salário ainda continua no patamar dos dois salários mínimos. Para as leis do mercado, sou classe D ou E. Que país é esse, onde professor não é considerado nem um simples emergente da classe C?

É por isso que ensino aos meus alunos, direitinho, o que é corrupção, o que é patrimonialismo, o que é fisiologismo, o que é a putaria da politcagem brasileira!

terça-feira, 10 de abril de 2012

Caindo na real

Pelo menos, 40% dos meus 200 alunos do 6º ano são semi analfabetos.

Eles pintam e bordam porque ler e escrever ainda é um mistério que ninguém foi capaz de lhes ensinar. Eles nunca sentiram o gosto pela leitura, pela escrita, pelo exercício do pensamento.

É por isso que a escola é, para eles, apenas um local de revolta, de bagunça, de anarquia: porque a escola não  deu conta de contornar suas limitações e  lhes oferecer novos caminhos.

Eles têm de 10 a 12 anos e ainda não aprenderam a ler e a escrever.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Retorno

O pai é pior que o filho. Muito pior. Melhor investir no filho. Fiquei com pena do menino, quando conheci o pai.

E o tamanho do corte, da garrafada d´água na cabeça do colega, era minúsculo. "Muito barulho por nada".

É melhor investir em F. A vida dele, dentro de casa, deve ser um inferno. Coitado.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Quando o pau quebra (4)

Hoje o pau quebrou. De novo.

F., aquele aluno insuportável que adora bater nos colegas porque apanha muito do pai, arremessou uma garrafa de plástico cheia de água para K., outro insuportável. A garrafa atingiu a cabeça de um aluno miúdo, no outro lado da sala.

O golpe foi feio. Fez um corte fundo. O sangue jorrou. Pensamos que o olho do garoto tinha sido atingido mas, graças a Deus, não. O pai foi chamado pra levar o filho ao hospital.

Escrevi um longo relatório sobre o sinistro. Amanhã  F. deverá comparecer à escola acompanhado do pai.

Tudo o que desejo é que Deus me conceda, na hora da reunião, o dom da palavra certa para convencer o pai de F. a assinar a transferência do filho.

Seria uma bênção para toda a escola.