sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Joãozinho em tempos modernos

Segundo ano do ensino médio. Turno noturno. A professora recém formada e cheia de ideais se apresenta e inicia a primeira aula do ano com uma breve entrevista. É preciso conhecer os alunos, como vivem, o que fazem.
_ Qual é o seu nome? - perguntou, apontando para o primeiro rapaz da fila de carteiras ao lado da porta.
_ Maicon.
_ Você trabalha, Maicon?
_ Trabalho.
_ Onde você trabalha?
_ Na prefeitura.
_ O que você faz lá?
_Atendo pessoas, dou informações.
_ Muito bem. É um trabalho que exige paciência, não é mesmo? _ comentou a professora, entusiasmada por observar que os alunos se mostraram simpáticos à sua estratégia pedagógica.
E por aí foi. Perguntando, comentando, incentivando, etc e etc. E os estudantes, respondendo, mais por curiosidade de saber até onde ela queria chegar, do que por vontade de compartilhar sua vida pessoal com uma estranha. Até que...
_ Como é que você se chama?
_ Joãozinho.
_Você trabalha, Joãozinho?
_ Eh...eh...sim, quer dizer... _ titubeou o rapaz.
_Você trabalha em quê? - insistiu a professora animada.
_ Eh...assim...no comércio. É, eu trabalho no comércio.
_Que bom! Qual tipo de comércio?
_ Assim...quer dizer...
_Pode falar!
_Material de construção. Eu trabalho em uma loja de material de construção.
Antes que a professora pudesse falar qualquer coisa, a turma caiu na zoação e uma aluna emendou rapidamente:
_É, professora, ele vende "pó" e "pedra"!

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Quando o pau quebra

Se você, caro colega, afirmar de pés juntos que o pau nunca quebrou durante suas aulas, devo lhe dizer que ou você está mentindo, ou merece um prêmio equivalente a dez vezes o seu salário por manter seus alunos tão calmos. Aliás, o seu caso deveria ser estudado por especialistas e pesquisadores da Educação por ser absolutamente uma exceção à regra.

A regra todos já conhecem: a violência nas escolas é constante. E todos nós sabemos que o que chega à imprensa é apenas a ponta de um iceberg gigantesco capaz de afundar dez Titanics de uma vez.

O pau quebra e "de com força"! As diretoras tentam resolver internamente os casos de agressão porque sabem que podem ser punidas pela Secretaria de Educação de várias formas. Uma delas é através da famigerada avaliação de desempenho. Se o pau quebra, a nota é baixa. Não há denúncias, logo as estatísticas não correspondem à realidade. O poder executivo vai pondo paninhos quentes nas feridas, projetinho aqui, projetinho ali, e a situação continua ad infinitum, sem luz no fim do túnel.

Deu Babado no ENEM

E a novela do ENEM continua. Pelo que entendi, agora a justiça quer proibir os alunos que se sentiram prejudicados de fazerem novas provas. Alegando desordem pública, a justiça entende que somente os casos dos alunos que foram registrados nas atas de sala devem ser reavaliados.

Que o ENEM é um sistema de avaliação que promove mais igualdade de oportunidades para o ingresso no ensino superior, nenhum educador sério duvida. Mas que na prática a coisa é difícil ninguém duvida também.

Fui uma das aplicadoras das provas. Ninguém percebeu a princípio que os erros foram de encadernação e impressão. Quando percebi o engano, chequei todos os cadernos amarelos e os troquei imediatemente. E anotei isso na ata de sala.

Espero que os alunos prejudicados sejam atendidos e que o imbróglio seja resolvido o mais rápido possível. Espero que o bom senso prevaleça.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Com que roupa eu vou? (2)

Um dia presenciei uma caçada escolar. A caçadora, a vice-diretora. A caça, uma aluna do ensino médio que trajava short jeans. Resultado: a aluna foi capturada e mandada embora para trocar de roupa e voltar novamente para a escola. Isso, no último minuto do terceiro horário! A aluna foi mais prática: "Não vai dar tempo de voltar!" Mesmo assim foi encaminhada para casa e perdeu os dois últimos horários de aula.

Não seria mais razoável advertir a estudante de que o comprimento da sua bermuda não era permitido e pedir a ela que não voltasse a usá-la novamente para ir às aulas? Por que a escola tem tanta necessidade de controlar as roupas que os alunos usam? O uniforme é importante. Ele garante uma certa organização, um certo controle de quem entra na escola. O uniforme é prático. Não seria mais razoável explicar aos alunos a importância do uniforme?

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Hora do Recreio

A hora do recreio é geralmente usada para dar recados aos professores sobre tudo o que se possa imaginar. Hoje, por exemplo, a vice-diretora e as supervisoras se dirigiram aos professores para esclarecer o caso do professor de matemática que mandou uma aluna "pastar". Esclarecer não é bem a palavra certa. Obscurecer seria o termo mais correto, pois não se diz nada claramente, diretamente, francamente. Nomes não foram citados, nem o que realmente aconteceu.

O caso teve repercussão porque foi durante um evento chamado Forúm da Paz em que estavam presentes juízes, advogados, representantes do Conselho Tutelar, etc. e três alunos de cada turma, que a dita aluna, indiretamente chamada de bovina, denunciou publicamente o tal professor. E dizem (eu não estava presente) que foi seguida em coro por outros alunos participantes do encontro. Outros abusos foram denunciados. Um que chegou aos meus ouvidos foi o de que ele (o professor de matemática) chamou um garoto de 12 anos de "afeminado" ou "veado". Não se sabe ao certo qual foi a palavra exata.

As autoridades, certamente horrorizadas, perguntaram aos alunos quais foram as providências tomadas pela diretora da escola. Os alunos responderam prontamente: "Nada!" O grau de constrangimento já estava acima do limite, quando estudantes do Ensino Médio tentaram aliviar a tensão, alegando que alunos também são responsáveis pela construção do respeito mútuo entre docentes e discentes, e assim os ânimos foram acalmados.

É logico que, posteriormente, o professor foi chamado para dar satisfações. Ele alegou que se sente perseguido na escola. Coitado. Sinto pena. É muito difícil ter domínio de classe. Aos professores novatos ninguém ensina nada. São jogados na cova das criOnças sem o menor suporte pedagógico. Mesmo assim, nada justifica as ofensas e termos preconceituosos usados com o objetivo de manter o controle através da humilhação do aluno. Essa história toda é lamentável, mas acontece todos os dias, toda hora, em milhares de escolas públicas e ninguém fica sabendo. Pois agora, caro leitor, você já sabe.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Professores que piram

Eu sei que vida de professor é dificílima, que o salário é miserável, que os alunos não demonstram o interesse esperado, que...etc., etc., blá, blá, blá! Mas existem coisas que são básicas. Manter a compostura é uma delas.

Hoje, eu soube que o professor de Matemática mandou a aluna "pastar". E foi a própria aluna quem me contou.

Com que roupa eu vou?

Leio no jornal a notícia da professora boazuda que ia toda decotada lecionar para adolescentes. Os pais reclamaram. A diretora chamou a professora no canto. Esperta, a professora não se fez de rogada: convocou a mídia e armou o circo. Alegando discriminação, ameaça processar a escola (ou seja, o Estado) e já cogita a possibilidade de trabalhar como modelo e posar para fotos sensuais. Doces delírios da fama momentânea!

Morro de rir! Essa notícia fez-me recordar de outra professora que lecionava Filosofia em uma escola onde já trabalhei. Era bonita, alta e tinha um corpo cheio de curvas. Naturalmente tinha consciência disso e usava roupas bem justas para valorizar ainda mais as suas belas formas.

Uma vez, na sala dos professores, aparentando uma mistura de pudor e orgulho, comentou com os colegas a fala de um aluno que no auge dos seus dezessete anos se dirigiu a ela dessa forma: "Assim você mata nós, professora!"

Algum tempo depois, qual não foi a minha surpresa ao ouvir da boca da mesma professora, durante um conselho de classe, uma crítica indignada a respeito das roupas das alunas? "Essas meninas estão vindo pra escola quase nuas", disse ela. Só porque as alunas gostavam de usar, da mesma forma que ela, roupas justas (calças jeans, ou leggings e camisetas decotadas). Senti raiva da atitude hipócrita da minha colega. Num tom  de indignação e ironia, virei-me para ela e disse: "E daí?" Um pouco assustada com a minha reação, ela se calou. Não soube responder. Francamente, em uma escola com problemas seríssimos de drogas, violência, evasão e analfabetismo funcional, existem assuntos mais importantes para serem discutidos em um conselho de classe do que a roupa das alunas.

Por que um blog?

Há muito tempo, venho matutando a idéia de escrever um blog. Um blog específico sobre minha experiência de ser professora de História da rede pública. E por que? Porque penso que muitas pessoas, principalmente nossos governantes quando enchem a boca para falar de Educação, não têm a menor noção do que se passa dentro de uma sala de aula. A realidade é assustadora. A realidade é, na mesma medida que idealizada, profundamente medíocre. E como a Educação é oficialmente um dever de todos, sinto-me na obrigação de denunciar crenças e fatos com os quais não concordo, não compartilho. Talvez ninguém irá ler meus posts. Talvez minhas idéias sejam polêmicas demais. Ou idiotas demais. Ou limitadas e sem profundidade. Não sei se meus caros colegas de profissão irão gostar. Acho que não, mas se não começar a escrever, vou enlouquecer. Então, espero que este blog seja um meio através do qual nós, professores, possamos rir e refletir sobre nossa triste condição. E uma contribuição para que os responsáveis pelas políticas públicas educacionais tomem consciência do quanto suas ações são, em muitos casos, completamente inócuas.