terça-feira, 28 de maio de 2013

Cinema na escola pública: uma missão quase impossível

"Detesto passar filmes para os alunos. Eles não prestam atenção! Fazem uma bagunça danada. Por isso é que eu não passo nada pra eles."

Talvez a professora de português, que é mais experiente e mais vocacionada do que eu, tenha razão. As sessões de cinema que promovo no turno da tarde são sempre um caos, com algumas ilhas de silêncio e atenção. Pode ser o filme mais interessante do mundo que nem todos prestam toda a atenção que planejei. Mas eu insisto. Mesmo que eles quebrem o pau, conversem o tempo todo, joguem bolinhas de papel uns nos outros, mesmo assim, eu persisto na educação através do produto audiovisual.

Ontem inventei de passar  "A Missão" para os alunos do sétimo ano.

"Eu já vi esse filme, 'fessora'! Eu já vi."

"Onde?", perguntei.

"Na televisão."

"Não, meu anjo. Esse não é o tipo de filme que passa na TV aberta do Brasil. Você deve ter visto 'Missão Impossível', com o Tom Cruise."

"Ah é, foi mesmo", concordou o menino. "E esse aí, 'fessora' é sobre o que?"

"É sobre a catequização dos índios pelos padres jesuítas", resumi pra não confundir o menino.

"É sobre os índios? Igual aqueles índios que a senhora passou no ano passado? Como é que chamava? 'O fogo'?"

"A Guerra do Fogo. Mas aqueles não eram índios. Eram homens do Período Paleolítico. Lembra?"

Ah, é! Da hora. Tinha aqueles homens que pareciam macacos, aqueles outros que 'comia' gente. Esses daí também 'come' gente?"

"Não, penso que não. Os índios dessa história são os guaranis."

O diálogo ocorre durante a sessão. As questões surgem, e os interesses e desinteresses também. Tento ser flexível. Adianto umas cenas, chamo a atenção para outras, explico a história, resumo diálogos. É um caos desgastante, mas a vida deles também é assim. Famílias desestruturadas, negligências, abusos, violências, morte prematura dos pais, abandonos.  

Depois eles reconhecem que o filme foi bacana. Depois eles comentam. Eles se lembram da história. Mesmo no caos, alguma coisa fica. Alguma impressão fica marcada nas cabecinhas agitadas.

D. Margarida não tem a pretensão de ser uma professora perfeita que mantém a disciplina em todas as situações de ensino-aprendizagem. Ela não é capaz disso. Não tem talento suficiente, apesar de não ser uma "despreparada". Se houver aprendizado dentro de um aparente ou verdadeiro caos está valendo.

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